A VISÃO DE RISCOS DE D. JOÃO VI

Cel Veterano da FAB  Jacintho Mendes Lopes Júnior

D. João VI

RESUMO

Apesar dos rótulos de caricato, indeciso e medroso – explicados possivelmente por sua personalidade tímida e assustada -, D. João VI superou as guerras napoleônicas, sofreu tentativas de golpe na própria família, perdeu poder para uma revolução liberal, mas, apesar de tudo isso, reinou durante toda a sua vida, sendo um dos poucos reis absolutistas nessa situação.

Sob a ótica da análise de riscos, este trabalho aborda três decisões críticas tomadas por ele e pretende mostrar que, ao confrontar as ideias recebidas de seus conselheiros, o rei buscava a melhor solução e a implementava.

Palavras-Chave: Riscos, D. João VI, SWIFT, Processo Decisório.

ABSTRACT

Despite the anedoctal, indecisive and fearful labels – possibly explained by his shy and scared personality, D. João VI survived to Napoleonic Wars, scams within his own Family, loss of power due to a liberal Revolution, and he became one of the few absolute kings to reign during all his life.


Under the risk assessment lenses, this paper brings three critical decisions he made, while highlights that, when confronting the ideas he received from his advisors, the king sought the best solution to implement them in the cases presented. 

Keywords: Risks, D. João VI, SWIFT, Decision-Making Process.

 

1. INTRODUÇÃO

“Quando caminhava pelos campos, acompanhado de amigos, detinha-se, às vezes, e indagava: ‘Se os inimigos se encontrassem sobre aquele monte, e nós estivéssemos aqui, com nossos exércitos, qual dos lados teria maior vantagem?’… Formulava assim, todas as hipóteses do que pode suceder em campanha, ouvia-lhes a opinião, dava a sua…” Maquiavel (1999, p. 97).

Ao descrever as ações de Filopêmenes, rei dos Aqueus, Maquiavel expõe, simplificadamente, em sua obra escrita originalmente no século XVI, o que significaria, muito tempo depois, a ferramenta What If ou SWIFT (Structurated What If Technique) ABNT/NBR/IEC (2021), na qual uma pergunta e se (what if) permite abrir um leque de causas e consequências de um evento de risco.

Maquiavel, por ser um dos clássicos, possivelmente fez parte das leituras incluídas na educação do príncipe D. João, a qual, segundo Wikipedia (2021iii) e Gomes (2014iv, pos. 2152), mostram forte influência religiosa.

D. João viveu em um contexto histórico bastante turbulento, influenciado pela Revolução Francesa, Napoleão, o fim do absolutismo e por questões familiares, como a perda do irmão primogênito, a loucura de sua mãe, a rainha D. Maria I, e o casamento conturbado com D.  Carlota Joaquina.

Dentro desse ambiente e visto como um rei medroso e indeciso, D. João, entretanto, mostrou também vislumbres de uma visão estratégica interessante, exatamente por adotar, mesmo que intuitivamente, a ferramenta de Filopêmenes, descrita por Maquiavel, que, séculos depois, seria sistematizada como a técnica What If.

Destarte, o presente trabalho visa a examinar, à luz da aplicação da técnica supracitada, as análises de consequências, mostrando como, na retirada para o Brasil, no retorno a Portugal e na orientação a D. Pedro, há indícios da aplicação, mesmo que intuitiva, dessa técnica, exatamente como Maquiavel havia demonstrado com o case de Filopêmenes.

Para facilitar a compreensão do tema, faz-se necessários a descrição da ferramenta What If e o encadeamento cronológico dessas situações, uma vez que elas guardam relacionamento causal importante entre si, tendo início pela própria retirada da família real para o Brasil.

2 DESENVOLVIMENTO

“Duas pequenas palavras, quando sob a forma de perguntas, podem ser as mais poderosas na redução de riscos e de incertezas”. Lyon e Popov (2020, p. 36 v)

A primeira das decisões importantes tomadas por D. João VI aqui destacadas, embora não seja ideia original dele, conforme mostra Gomes (2014, op. cit., pos. 474), apresenta exatamente o soberano analisando e confrontando as ideias recebidas de seus conselheiros ou já discutidas na corte, exatamente como Maquiavel descrevera alguns séculos antes (CORREIA, 2008, p. 78).

A ABNT/NBR/IEC 31010 (2021, op. cit., p. 64-66) fornece uma visão interessante sobre a técnica SWIFT (Structured What If Technique), orientando que se trabalhe a questão e se, permitindo visualizar causas, consequências e tratamentos para riscos, com base no nexo de causa e consequência.

É bastante comum a apresentação como tabela, tocando em todos os fatores supracitados, mas buscando tornar simples o entendimento do contexto e das consequências, será utilizado o mapa mental apenas com o desdobramento dos riscos.

A técnica What If, devido à sua simplicidade, ainda mais no formato apresentado por Maquiavel, pode ter permitido a D. João VI, mesmo que mentalmente, analisar e confrontar as respostas para e se não aderirmos ao Bloqueio Continental declarado por Napoleão? Ou ainda para e se aderirmos ao Bloqueio Continental? O pensamento analisando as respostas a essas inquirições deu-lhe uma dimensão sobre os aspectos que pesariam em sua decisão. Mas, enfim, o que é essa técnica e se

2.1 A ANÁLISE SWIFT

Conforme abordado anteriormente, a análise SWIFT (ou e se) é uma técnica de análise de riscos de alto nível (por permitir uma visão simplificada sobre os perigos, que são as fontes de risco, e eventos, que podem ser tanto desejáveis quanto indesejáveis, que são o foco mais frequente para esta abordagem, causas e consequências. Esta técnica oferece uma visão mais qualitativa a respeito dos fatores previamente citados, não sendo apropriada para a análise do nível do risco (probabilidade x severidade), conforme mostram Lyon e Popov (2020, op. cit., p. 36).

Uma série de questões e se trabalhadas por um grupo conhecedor do sistema em questão e um facilitador preparado fornecem uma visão qualitativa dos perigos, causas potenciais, eventos e consequências, sendo muito benéfica para auxiliar na prevenção de falhas em sistemas industriais, mecânicos e continuidade de negócios, ajudando a desenvolver os cenários de emergência (LYON; POPOV; HOLLCROFT, 2022, p. 138).

Um exemplo da aplicação da técnica pode ser apresentado com a falha no subsistema de lubrificação de um dos motores de uma aeronave multimotora:

Tabela 1 – Análise E Se (What If)

ANÁLISE E SE
Instalação, Operação, Processo ou Sistema:
Data: 25 Jan 2022 Sistema: Turbopropulsor/Subsistema: Lubrificação
ID # E SE… Causas Consequências Controles Recomendações
A.1 A quantidade de óleo do motor 1 cair abaixo do limite mínimo? – Rompimento ou desconexão de mangueira de alimentação de óleo

– Furo no reservatório ou radiador

– Queda da pressão de óleo

– Aumento da temperatura do óleo

– Danos ao motor

‑ Fogo

– Se pressão abaixo do mínimo, cortar o motor

– Se dentro do aceitável, operar com potência reduzida

– Verificar periodicamente a temperatura e a pressão do óleo, a fim de perceber variações que demandem a redução de potência ou o corte do motor
A.2 Apenas a pressão do óleo do motor 1 cair a zero? – Falha na alimentação de AC do instrumento

– Falha do instrumento

– Grande vazamento

– Sem aumento de temperatura: falha do instrumento e indicações de pressão de óleo não confiáveis

– Aumento de temperatura e danos ao motor

‑Fogo

– Verificar se ocorre aumento da temperatura do óleo

– Observar se há sinais de vazamento

– Sem aumento de temperatura, voar com cautela até local com apoio apropriado mais próximo.

– Com aumento de temperatura ou sinal de vazamento, cortar o motor

Objetivando simplificar a visão das consequências de cada ação em um sistema complexo como a história, reduziu-se a quantidade de aspectos, trabalhando-se o e se até duas consequências, resultando no mapa mental apresentado na figura 1, relativo ao mesmo tema da tabela 1.

Fig.1 – O mesmo exemplo apresentado como mapa mental de condição e consequências

 

2.2. A RETIRADA PARA O BRASIL

Com base nas perguntas e se, o então Príncipe Regente podia avaliar as respostas recebidas dos seus conselheiros ou outras pessoas da corte e compará-las com os últimos acontecimentos. Ainda aproveitando o mesmo exemplo, no primeiro caso, de não aderir ao Bloqueio Continental, Portugal teria que enfrentar as tropas espanholas e francesas, podendo contar com o apoio britânico, mas, em eventos anteriores, como a Campanha do Rossilhão e Catalunha (1793 a 1795), as tropas portuguesas apoiavam as espanholas e, no início conseguiram importantes vitórias até o inverno de 1793, quando sofreram pesado revés, sendo vencidos pelas tropas francesas, que forçou a coalizão luso-espanhola a recuar até a Catalunha, onde foram derrotados, quando, após a derrota na Batalha da Montanha Negra, a Espanha negociou em separado um acordo de paz com a França em 1795 e Portugal, em 1797 (PORTUGAL, 2008).

Por outro lado, aderir ao Bloqueio Continental, além de ser uma ruptura com uma tradicional aliada – a Inglaterra, provavelmente Lisboa poderia sofrer uma retaliação similar à que ocorreu a Copenhague, em 1801 e em 1807, quando a esquadra dinamarquesa sofreu pesadas baixas, tanto em homens quanto, principalmente, em navios, que foram capturados (tanto mercantes quanto de guerra) pela esquadra britânica, forçando os dinamarqueses a terem que rever a postura de neutralidade que pretendiam manter junto com a Noruega (GREENLANE.COM, 2017ix e BJERG, 2008).

Em ambos os casos, o rei poderia morrer ou perder sua coroa, ter seu país, ou pelo menos sua capital, arrasada e, principalmente na primeira opção, sua principal colônia – o Brasil – que desde aquela época era a principal fonte de riquezas do império português, mudaria de mãos.

Tal impasse o levou a analisar a opção fornecida por D. Pedro de Almeida Portugal, marquês de Alorna, e por D. Rodrigo de Souza Coutinho, conde de Linhares, que, segundo Gomes (2014, op. cit., pos. 461-474), já havia sido estudada anteriormente, principalmente no século XVIII, e era uma alternativa que o rei cogitava como proteção para seu filho, o príncipe herdeiro D. Pedro. Essa opção seria a retirada para o Brasil,
inicialmente do príncipe e, depois, foi estendida para toda a corte portuguesa, seus tesouros e seu aparato estatal, sob a proteção da esquadra britânica, que provara reinar nos mares desde a batalha de Trafalgar, em 1805. Assim, a dinastia, as riquezas, o aparato estatal e a corte estariam preservadas e tudo isso poderia funcionar do Brasil, tornando-o o centro do império português. Tal opção se mostrou tão boa à época que arrancou do próprio Napoleão a seguinte frase: “
Foi o único que me enganou” (GOMES, 2018).

Haveria, no entanto, um preço – a abertura dos portos brasileiros às embarcações britânicas para o comércio. Isso resultaria em matérias-primas mais baratas e na abertura de um grande mercado consumidor em relação a Portugal, o qual, mais tarde, também cobraria seu preço a D. João VI, por enfraquecer seu país de origem logo após libertar-se do jugo francês.

Assim, o contexto dessa decisão pode ser estudado com a técnica e se, apresentando-se como o mapa mental, elaborado na ferramenta gratuita Freemind, disponível na fig. 2.

Fig. 2 – Mapa mental da técnica e se ligada ao contexto da retirada da família real portuguesa

O mapa mental acima evidencia que, em consonância com a ISO 31000 (2018xii, p. 1), nem todo risco é prejudicial (negativo), devendo ser incluídos fatores positivos, quando houver, uma vez que a preparação e o estímulo a tais eventos podem ser vitais para que não só  conteçam, mas, também, para que sejam devidamente aproveitados.

O exemplo de fortalecimento do império português poderia concretizar-se com a manutenção e o fortalecimento do Reino Unido, levando a algo semelhante ao que hoje é a Comunidade Britânica (THE COMMONWEALTH, 2021xiii). Gomes (2015xiv, p. 74- 75) mostra que, principalmente um pouco antes do início do processo de independência, muitos brasileiros estariam satisfeitos com a manutenção do Reino Unido. Isto, entretanto, não ocorreu com a Revolução do Porto, cujo interesse era que o Brasil retornasse ao status de colônia, precipitando o processo de independência.

Embora retardasse ao máximo seu retorno, D. João VI sabia que, assim que Portugal se livrasse do domínio napoleônico, ele deveria  retornar, mais ainda, que a manutenção da administração britânica do território português incomodava os seus habitantes, contribuindo para a Revolução do Porto, que acabou exigindo o retorno do rei e que ele jurasse o respeito à Constituição Portuguesa, inclusive com manifestações a favor no Rio de Janeiro. Ciente dessa situação, o rei também ouviu seus assessores, a fim de poder refletir a respeito da  decisão que tomaria.

2.3 O RETORNO A PORTUGAL E A REVOLUÇÃO DO PORTO

“Não devemos, porém, Senhor, ocultar a Vossa Majestade, por nossa honra e obrigação,o descontentamento de todos os seus fiéis vassalos pela demora de Vossa Majestade no reino do Brasil, depois dos extraordinários sacrifícios que fizeram para conseguir a salvação da Monarquia”.

Alerta dos governadores a D. João VI (GOMES, 2014, op. cit. pos.4159)

D. João VI sobreviveu ao turbulento período de transição entre a monarquia absolutista e a constitucional, mantendo-se no trono durante toda a sua vida, malgrado tentativas de golpe até dentro de sua família, apesar disso, era visto como um rei indeciso, mas que também confrontava as ideias que recebia de seus assessores.

Durante a sua ausência, Portugal fora ocupada pelo Gen Junot, houve saques, confisco de propriedades de nobres que se retiraram com D. João VI e, ainda conforme Gomes (2014, op. cit. pos. 4120), entre 1807 e 1814, época da Guerra Peninsular (conflito que ajudou a  enfraquecer o poder de Napoleão), Portugal perdeu meio milhão de habitantes, um valor expressivo para uma população em torno de 3 milhões.

A principal consequência da Guerra Peninsular foi a expulsão do invasor francês com o auxílio da Inglaterra, tradicional aliada, mas que custou ao país ser governado pelo Marechal William Carr Beresford (GOMES, 2014, op. cit., pos. 3674 e 4056, NUNES, 2021), em uma situação de penúria econômica bastante séria, associada ainda a um acordo franco-britânico após a expulsão dos invasores que foi bastante desfavorável a Portugal, resultando em descontentamentos que levariam à Revolução do Porto, em agosto de 1820.

No caso português, a Revolução do Porto foi o ponto de transição da monarquia absolutista para a constitucional, também apresentando ao rei um contexto de riscos, tendo dentre eles, o de ser destronado e morto, como acontecera menos de quarenta anos antes, na Revolução Francesa. Muito provavelmente devido a isto, ele deixou seu filho D. Pedro como Príncipe Regente do Brasil, enquanto retornou em 1821, apesar de ter chegado a cogitar enviá-lo em seu lugar, entretanto, sua nora estava grávida na época, levando-o a optar por ir ele mesmo.
Em parte, seus temores se concretizaram – a rainha Carlota Joaquina, por não concordar em jurar fidelidade à Constituição Portuguesa e ainda por conspirar para abolir a Constituição, passou à condição de prisioneira no palácio de Ramalhão, ao sul de Portugal, onde ainda continuou tramando em favor do absolutismo (NOGUEIRA, 2020
). O rei, entretanto, por aceitá-la, foi mantido no trono com menos poderes, mas as exigências das cortes não pararam por aí. Embora o Congresso de Viena houvesse recolocado as dinastias (ou os remanescentes delas) nos tronos, havia, conforme Gomes (2014, op. cit. pos. 4154), revolucionários interessados em destituir a Casa de  Bragança e substituí-los, no trono português, pelo herdeiro do título do duque de Cadaval.

Existia também o desejo de fazer retornar o Brasil à condição de colônia, a fim de viabilizar uma imediata recuperação econômica, com o retorno do Príncipe D. Pedro a Portugal (FERREIRA; PEDROSA, 2020), levando diversos autores a verem nela outro fator contribuinte não apenas para o dia do Fico, mas para todo o processo de independência do Brasil, que poderia até ocorrer pelas mãos de D. João VI se aqui ficasse (GOMES, 2015, op. cit, p. 73).

Este cenário de Riscos também pode ser estudado por meio de um mapa mental, desenvolvendo a técnica What If, conforme pode ser visto na fig. 3. O mapa mental apresentado, entretanto, tem menor fundamentação histórica, com exceção do aspecto ligado à sensação de que o movimento de independência do Brasil estava no ar, tornando-se mais hipotético e ilustrativo do contexto íntimo enfrentado como um rei de transição, buscando preservar a dinastia no tempestuoso ambiente de fim do absolutismo. 

Fig. 3- Mapa mental sobre os riscos ligados às decisões alusivas ao retorno a Portugal

Apesar do caráter mais ilustrativo do contexto de decisão x risco enfrentado por D. João VI, o último ramo da ida realmente aconteceu. O rei, poucos dias antes de partir, conversou com o filho, orientando-o quanto à necessidade de estar atento ao movimento de independência do Brasil e a apoiá-lo (POR FALAR EM HISTÓRIA, 2014), a fim de manter a Casa de Bragança reinando, pelo menos, no Brasil e com apoio político interno e externo, fazendo, conforme a opinião de Menezes (2022), uma transição de pai para filho.

2.4 O FICO E O PROCESSO DE INDEPENDÊNCIA

“Eu ainda me lembro, e me lembrarei sempre, do que Vossa Majestade me disse antes de partir dois dias, no seu quarto: (Pedro, se o Brasil se
separar antes seja para ti que me hás de respeitar do que para algum desses aventureiros)”.

D. Pedro, então Príncipe Regente, em carta a seu pai, D. João VI, em jun. 1822 (POR FALAR EM HISTÓRIA, 2014, op. cit.).

Um conselho destes, de pai para filho mostra o quanto D. João VI percebia o impacto da Revolução do Porto, no sentido de aumentar o interesse pela independência, o qual ele já havia combatido, na Revolução Pernambucana, em 1817 (SILVA, 2022).

Embora com caráter mais separatista do que de independência de toda a antiga colônia e movido também pelo descontentamento pelos altos impostos e a resultante crise econômica em Pernambuco, mais este movimento serviu de alerta a D. João VI, que já ouvira falar da Inconfidência Mineira.

Isso provavelmente o levaria a imaginar o quanto faltaria para que algo semelhante ao que ocorreu nos Estados Unidos e nas colônias hispânicas vizinhas ocorresse no Brasil, com o risco de fragmentação ou de tornar-se uma república, ao ser provocado pela Revolução do Porto, cujas cortes, por ela instituídas, desejavam que o Brasil retornasse à condição de colônia. Novamente entra em cena o interesse dinástico, conforme discorre Gomes (2014, op. cit., pos. ) em 1808, D. João intentava ter a Casa de Bragança reinando dos dois lados do Atlântico.

Outro aspecto a ser pesado era o crescente comércio da Inglaterra, tanto vendendo manufaturados, quanto comprando matérias-primas mais baratas no Brasil. Esse fator poderia alinhar fortemente o tradicional aliado de Portugal à sua colônia no caso de tentativa de independência.
Por derradeiro, esta orientação parte exatamente da análise anterior, fruto da Revolução do Porto, exatamente uma saída para a manutenção da coroa na Casa de Bragança, apesar de ele, D. João, correr o risco de ser destronado.

Outro aspecto de orientá-lo a alinhar-se ao movimento de independência seria que os apoios popular e da elite da antiga colônia fariam toda a diferença para o sucesso desse movimento, influenciados pela reação das cortes de Lisboa.

Ele sabia que seu filho tinha condição, com o apoio das tropas portuguesas, de vencer outro movimento de independência, mas até quando? O que mais exigiriam as cortes? Tal vitória enfraqueceria o Brasil, levaria ao retorno do filho e da nora a Portugal e, eles também correriam o risco de serem perderem a coroa mais tarde. Ainda nesse campo, a vitória contra o movimento de independência não impediria o seu ressurgimento posterior, com mais força.

Se, no entanto, fosse derrotado, poderia ser para um ou mais movimentos de independência, que poderiam matá-lo em uma guerra de independência, abrindo espaço para a possibilidade de pulverização em diversas repúblicas, como acontecia, ao lado nas antigas colônias espanholas.

Se, por outro lado, seu filho se alinhasse aos movimentos de independência e eles fossem vitoriosos, haveria uma convergência de esforços em torno dele, que reinaria nesse novo país independente, contando, provavelmente com o apoio da Inglaterra, que ficaria em uma situação mais complicada, entre um interessante mercado consumidor e seu tradicional aliado e, talvez, de outros países independentes da América, como os Estados Unidos, com a ressalva de eles serem repúblicas. Devido à influência da Santa Aliança, seria mais difícil a obtenção de apoio dos países europeus.

Fig. 4 – Mapa mental com os riscos ligados a D. Pedro apoiar ou não os movimentos de independência

Assim, a opção que pareceu melhor a D. João foi orientar o filho a alinhar-se ao projeto de independência, a fim de obter o máximo de apoio, realizá-lo com sucesso e se tornar o soberano do novo país independente (mais um da Casa de Bragança, que o respeitaria). Ao final do processo, ao reconhecer a independência, ganhou e utilizou o título de Imperador Honorário do Brasil, assinando como Imperador e Rei.
Dentro dessas três importantes decisões, foram apresentadas, à luz da técnica
What If (SWIFT), uma parte dos riscos contextuais  enfrentados por D. João VI, um rei que enfrentou um dos períodos mais complexos da história de Portugal, vendo seu país entre as tropas de Napoleão e a Esquadra Britânica, o fim do absolutismo, as conspirações dentro da própria família e a perda do Brasil como colônia. Embora visto como um rei indeciso, o confronto que fazia de ideias o ajudava a entender os riscos envolvidos em cada decisão e, pelo menos nessas situações, a buscar as soluções com menores riscos para a Casa de Bragança e para Portugal, mantendo a coroa até o final de sua vida.

3 CONCLUSÃO

Este trabalho objetivou mostrar o contexto das decisões de D. João VI à luz da técnica What If, um recurso bastante simples, para visualizar os riscos, como consequências de suas decisões. A simplificação adotada, próxima à apresentada por Maquiavel como aplicação de Filopêmenes, evidenciando apenas os riscos, no formato de mapa mental, permite evidenciar e analisar os fatores envolvidos em três decisões importantes de D. João VI, durante seu turbulento reinado.

Tal análise permite visualizar os riscos em jogo para cada alternativa, com base na descrição do contexto histórico, tornando mais fácil a sua compreensão, mostrando que, apesar de sua personalidade introspectiva e tímida, o soberano em questão soube ouvir seus conselheiros e analisar as consequências de cada ideia, buscando as soluções mais apropriadas à preservação da nação portuguesa e à Casa de Bragança, levando a concordar com a visão de Correia (2008, op. cit., p. 78), que o resume na palavra ponderação, exatamente pela sensatez destas escolhas.

 

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