A PRIMEIRA REPÚBLICA

OrganizadorGen Bda Veterano Luiz Eduardo Rocha Paiva[1]

 

Este artigo foi elaborado, basicamente, por meio de consulta e estudo das ideias constantes nas fontes citadas no texto, com acréscimos do organizador.

1. INTRODUÇÃO

Este artigo faz parte do Programa Bicentenário da Independência do Brasil e tem como objetivo transmitir conhecimentos sobre o período de nossa História balizado pelo progressivo final da Monarquia (1870/1889); e pela Primeira República (1889/1930), cuja primeira fase foi a de Consolidação (1889/1895) e a segunda fase foi a da Política do Café com Leite (1895/1930). Ela desmoronou pela deposição do Presidente Washington Luiz na Revolução de 1930, que deu início à Era Vargas (1930/1945).
O maior propósito do artigo é despertar no leitor o interesse de aprofundar seus estudos sobre a riquíssima História do Brasil, construída pelos que nos antecederam e, enfrentando desafios, obstáculos e ameaças, bem como, aproveitando oportunidades, nos legaram uma imensa Nação rica em todos os tipos de recursos, inclusive humanos.
O povo brasileiro precisa tomar consciência de sua capacidade para construir um futuro venturoso, desde que ressuscite princípios e valores morais, éticos e cívicos e labute com firmeza, vontade, dinamismo e constância e aprenda a cobrar, com autoridade cidadã, das lideranças nacionais, atitudes voltadas ao bem comum e não a interesses pessoais, partidários ou grupais ilegais ou ilegítimos.

2. QUEDA DA MONARQUIA NO BRASIL – uma longa agonia

Em que pese a grande afeição dos brasileiros pelo Imperador D. Pedro II, inconteste líder e estadista, homem bem preparado, moral e culturalmente para exercer com proficiência e integridade a condução do Brasil, esse exemplar compatriota viu, lenta e progressivamente, a estabilidade da Monarquia ser abalada a partir de 1870.
O crescimento do ideal republicano teve influência de movimentos revolucionários externos, como foram a Independência dos EUA (1776), a Revolução Francesa (1789) e a implantação da república em todas as ex-colônias hispânicas na América Latina. O movimento republicano no Brasil vinha ganhando força desde o final da Guerra do Paraguai, em 1870, com a adesão progressiva de militares, principalmente do Exército.
Diversas crises internas após aquela guerra também contribuíram para debilitar o poder e o prestígio da Monarquia, como se listam a seguir[2]:

  1. A Questão Religiosa (1864). Crise que gerou cisão entre a Igreja e o Imperador, pelo fato de D. Pedro II não acatar a ordem do Papa Pio IX para excomungar os católicos envolvidos com a maçonaria, instituição muito influenciada pelo positivismo. Dois bispos não seguiram o Imperador e suspenderam irmandades religiosas que mantinham contato com maçons. Os bispos foram punidos com prisão e trabalhos forçados e, após esse episódio, a Igreja Católica, no Brasil, afastou-se de D. Pedro II.

  2. A Questão Abolicionista. Sucessivas leis abolicionistas (1850-1888) culminaram com a Lei Áurea, que libertou os escravos. Essas leis e o movimento abolicionista causaram descontentamentos e levaram, paulatinamente, a poderosa classe dos senhores rurais a retirar o apoio à Monarquia, em face de sua dependência da mão de obra escrava. A economia sofreu as consequências dessa necessária e inadiável correção da indigna e injustificável exploração de seres humanos, como era o uso da mão de obra escrava.

  3. A Questão Militar (1883-1887). A Guerra do Paraguai trouxera um grande endividamento para o País, principalmente com a Inglaterra, gerando problemas para a economia nacional e desgaste político para o Imperador, ao mesmo tempo em que projetara politicamente o Exército nas camadas mais proeminentes da sociedade. Alguns choques de interesses indispuseram os militares com sucessivos governos e os conflitos foram debatidos na imprensa, resultando na punição de oficiais conceituados e na aproximação de muitos militares ao movimento republicano. A situação política era discutida até na Escola de Formação de Oficiais, onde o positivismo, também adverso à Monarquia, e o movimento republicano eram defendidos por seus adeptos, destacando-se o Tenente-Coronel Benjamin Constant como um dos líderes. A Questão Militar foi um polo de afastamento de grande parte do Exército da Monarquia.

Fig. 1 – Baile da Ilha Fiscal – último baile do Império

Porém, além dessas crises, também havia outras questões delicadas, sendo uma delas a da sucessão de D. Pedro II. O Imperador não tinha um herdeiro masculino e sua filha primogênita, a Princesa Isabel era casada com Gastão de Orléans – o Conde D’Eu, de nacionalidade francesa e muito impopular na Corte, alvo constantes de críticas na imprensa. Havia a desconfiança de que o poder, de fato, seria exercido por um estrangeiro quando da sucessão do Imperador.

Outra questão a considerar é a forte influência do positivismo, haja vista a Monarquia ser uma forma de governo incompatível com princípios e valores relevantes para aquela ideologia. O positivismo[3] se disseminava no Brasil quando as questões que opuseram a Igreja, a elite econômica e os militares à Monarquia já vinham abalando os seus pilares como forma de governo.

O estopim que deflagrou o golpe de morte na Monarquia foi a crise político-militar que opôs o Visconde de Ouro Preto, Chefe do Gabinete Imperial (equivalente a primeiro-ministro), a uma parcela do Exército, que alegava perseguição do chefe de governo à Instituição. Ouro Preto, percebendo a difícil situação política em que se encontrava, apresentou, em uma última desesperada tentativa de salvar o império, à Câmara-Geral, Câmara dos Deputados, um programa de reformas políticas do qual constavam, entre outras, as medidas seguintes: maior autonomia administrativa para as províncias, liberdade de voto, liberdade de ensino, redução das prerrogativas do Conselho de Estado e mandatos não vitalícios para o Senado Federal. As propostas do Visconde de Ouro Preto visavam a preservar o regime monárquico no país, mas foram vetadas pela maioria dos deputados de tendência conservadora que controlava a Câmara Geral. No dia 15 de novembro de 1889, a República era proclamada.

Fig. 2 – Proclamação da República

 

(https://pt.wikipedia.org/wiki/Proclama%C3%A7%C3%A3o_da_Rep%C3%BAblica_do_Brasil).

 

3. PRIMEIRA REPÚBLICA (1ª FASE) – CONSOLIDAÇÃO[4]

O período de 1889 a 1930 ficou conhecido como Primeira República e, mais tarde também como República Velha. Sua fase inicial foi chamada República da Espada (1889-1895), que abrangeu os governos dos Marechais Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto, ambos militares. Houve a Consolidação da República, com inúmeras transformações e disputas vencidas nos campos político, econômico e militar, por vezes com emprego da legítima violência, prerrogativa do Estado.

Após a Proclamação da República, pelo Marechal Deodoro da Fonseca, o insigne chefe militar assumiu um governo provisório. Coube-lhe impedir eventuais reações dos monarquistas, decretar as primeiras medidas administrativas, uma delas a convocação da Assembleia Constituinte para elaborar a Constituição de 1891, com a anulação da vigente desde 1824 no período monárquico. Deodoro enfrentou algumas revoltas e crises, estas últimas também com o Legislativo, chegando a fechar o Congresso Nacional. Sem apoio político para governar e percebendo a possibilidade de uma grave revolta interna, decidiu renunciar em 1891.

O Vice-Presidente, Marechal Floriano Peixoto, assumiu o cargo e iniciou o processo de neutralização e pacificação das revoltas e crises herdadas, que abarcavam os campos político, econômico[5] e militar. Para isso, agiu com autoritarismo, então necessário, haja vista a gravidade das revoltas e da guerra civil entre 1893 e 1895.

Em 1895, Prudente de Morais assumiu a presidência como primeiro presidente civil da história do Brasil, então pacificado e a República consolidada, graças à determinação e liderança de Floriano Peixoto, por tudo isso cognominado – “O Marechal de Ferro”. Mas por que “Marechal de Ferro”?

A República da Espada – a Revolta da Armada – a Revolução Federalista

Floriano tinha apoio do Partido Republicano Paulista (PRP) e de setores que julgavam necessário um governo forte para garantir a República e controlar os monarquistas.

A posse de Floriano não estava amparada pela Constituição de 1891, que preconizava a convocação de nova eleição, caso o cargo de presidente vagasse nos dois primeiros anos de governo. No entanto, Floriano desfrutava de boas relações com senadores e deputados e eles lhe facilitaram o caminho para governar de forma autoritária e centralizadora, preferindo fazer vista grossa para a legislação, de modo a evitar o agravamento da situação política e a recuperar a estabilidade social. Por outro lado, o Presidente era bem-visto pela população da capital, Rio de Janeiro, pela sua atuação para conter a crise econômica do Encilhamento na década de 1890. Porém, as disputas políticas eram intensas, e Floriano teve de lidar com elas em diferentes níveis de gravidade e de violência, particularmente, nos anos de 1893 e 1894.

Os dois conflitos mais graves para consolidar a República foram a Revolta da Armada de 1893 e a Revolução Federalista de 1893 a 1895.

Fig. 3 – Encouraçado Aquidabã bombardeia a Urca durante a Revolta da Armada

 

A Revolta da Armada foi de setembro de 1893 a março de 1894, sendo a nossa Marinha um relevante reduto de apoio à Monarquia. Navios de guerra chegaram a bombardear o Rio de Janeiro durante dias. A reação do governo logrou repelir os revoltosos, que abandonaram o cerco e seguiram para o Rio Grande do Sul (RGS), aliando-se aos Federalistas de Gaspar Silveira Martins.
A Revolução Federalista se estendeu de 1893 ao início de 1895, colocando em choque o Partido Republicano Rio-Grandense, liderado por Júlio de Castilhos, e o Partido Federalista, liderado por Gaspar Silveira Martins. No entanto, as operações se estenderam até próximo a São Paulo, colocando em risco o Governo Federal.

Fig. 4 – Revolução Federalista

 

Os federalistas, com parte da tropa formada por contingentes uruguaios, lutavam, desde janeiro de 1893 para derrubar Júlio de Castilhos, presidente do Estado do RGS. Floriano mandou forças federais para defender Júlio de Castilhos.

Os federalistas avançaram para o Norte e conquistaram as capitais de Santa Catarina e do Paraná, abrindo o caminho para São Paulo. Em meados de 1894, receberam o reforço dos revoltosos fugitivos da Revolta da Armada, debelada no Rio de Janeiro.

Desavenças entre as lideranças federalistas, devido a interesses divergentes, enfraqueceram o movimento e permitiram a reação das forças legais. Elas recuperaram os territórios perdidos, sendo o combate travado na Lapa (PR) o ponto de inflexão, ainda que vencido pelos federalistas, mas a um custo muito elevado e impossível de repor. No Sul, a resistência das forças legais levou muitos contingentes federalistas a buscar refúgio na Argentina e no Uruguai. A repressão florianista foi violenta e a vitória total do governo ocorreu no início de 1895, já na gestão de Prudente de Morais.

A Revolução Federalista foi uma das maiores e mais violentas guerras civis no Brasil, com cerca de dez mil mortos. Com o seu final, a República estava consolidada, graças à firmeza e determinação do Marechal de Ferro.

4. PRIMEIRA REPÚBLICA (2ª FASE) – POLÍTICA DO CAFÉ COM LEITE[6]

Esta fase iniciou-se após a República da Espada (1889-1894) e se estendeu até a Revolução de 1930, quando foi deposto Washington Luiz e ascendeu Getúlio Vargas à Presidência da República, iniciando a Era Vargas.

Fig. 5 – Política do Café com Leite

 

O fracasso da política econômica do Encilhamento, frustrando a tentativa de industrializar o País, manteve o Brasil atrelado à agricultura como já o era na Monarquia. Com isso, a antiga oligarquia agrária manteve o seu poder econômico e político, ainda mais intenso agora, haja vista o aumento do poder dos estados com o advento da República.

A Primeira República se caracterizou pela vigência da chamada Política do Café com Leite (ou Política dos Governadores), calcada no poder dos governadores dos estados, que detinham grande autonomia em relação ao governo federal.

O candidato oficial a Presidente da República era escolhido entre os governadores dos estados, sob a preeminência de São Paulo (SP) e de Minas Gerais (MG), daí vir a denominação de Política do Café com Leite, pois SP (produtor de café) e MG (produtora de leite) eram os estados mais ricos e populosos na República Velha.

Presidentes e governadores tinham autoridade para destituir deputados e senadores não aliados ou não alinhados nos Legislativos estaduais e no Congresso Nacional. O voto não era secreto, tornando comuns as práticas do voto de cabresto e da fraude eleitoral.

A Política do Café com Leite deu projeção às abastadas aristocracias rurais estaduais, particularmente à paulista e à mineira, todas se envolvendo na política regional e nacional e se constituindo em oligarquias políticas e financeiras dominantes.

O Governo Federal não interferia na política dos governos estaduais e esses não interferiam na política dos municípios. Era como um pacto que resultava numa ampla autonomia e estabilidade política no Brasil, embora fosse um entrave às mudanças capazes de ampliar, dinamizar e diversificar o desenvolvimento nacional. Portanto, permaneciam as práticas centralizadoras do Império.

Na Política do Café com Leite, a oligarquia paulista, no PRP, e a mineira, no Partido Republicano Mineiro, se alternavam na indicação dos candidatos à presidência e à vice-presidência da República, a cada eleição, e conseguiam priorizar seus interesses junto aos sucessivos governos Federais. Elas eram estreitamente relacionadas com o setor agroexportador, ou seja, com os cafeicultores paulistas, sendo o café o nosso único produto de exportação. Os principais ministérios eram ocupados por paulistas e mineiros e, nos estados e municípios, as principais secretarias e cargos públicos relevantes ficavam com as famílias da aristocracia rural ou a ela aliadas.

Permaneciam os nefastos patrimonialismo[7] e fisiologismo, herdados do Brasil Colônia, uma concepção distorcida que leva as lideranças nacionais, regionais e aliados a usar ilegal e ilegitimamente o poder político para usufruir dos recursos públicos como se fossem privados. Infelizmente, ainda é assim em amplos setores da sociedade.

O poder dos governadores e das oligarquias rurais levou os governos de presidentes civis, após a República da Espada, a se comprometerem a pagar dívidas contraídas no exterior por cafeicultores, com o propósito de assegurar a cooperação dos credores estrangeiros. Para tanto, aumentavam impostos com prejuízo da realização de obras públicas e do apoio ao desenvolvimento industrial do País.

Para concretizar essa política recessiva e sem o respaldo da população, Campos Sales teve a adesão dos governadores, pois eles recebiam recursos e cargos, bem como o compromisso do governo Federal de não apoiar a oposição política nos estados.

As elites políticas mineiras, ao apoiar a oligarquia cafeeira paulista, garantiam para seus líderes cargos no governo Federal e verbas para obras em MG. Enquanto isso, era a elite cafeeira paulista que tinha em mãos a política monetária e cambial, bem como a condução de negociações internacionais para empréstimos destinados à compra do café excedente. Ou seja, o governo Federal protegia os cafeicultores de perdas e lhes garantia lucros seguros.

No entanto, é preciso levar em conta que em um Brasil politicamente imaturo e subdesenvolvido, com uma sociedade extremamente dependente da economia agrária e aonde a revolução industrial ainda não chegara era difícil governar com grande independência em relação às elites rurais. A propósito, o Presidente Campos Sales assim se manifestou a respeito dessa servidão política:

Se nos achássemos em condições normais de vida política, com partidos políticos bem assinalados entre si, obedecendo cada um à autoridade de seus chefes legítimos… conservar-me-ia em posição neutra para oferecer aos contendores todas as garantias eleitorais, mas bem diversa é a situação da república… e é preciso evitar, com empenho, as agitações sem base no interesse nacional que não serviriam senão para levar à arena política as ambições perturbadoras que tem sido e serão sempre os eternos embaraços a proficuidade da ação administrativa… (e explica a necessidade de um vice mineiro para Rodrigues Alves). Tenho motivos para acreditar que Minas só aceitará a combinação que também entrar um mineiro e para evitar embaraços julgo conveniente indicar Silviano Brandão para vice-presidente!

A Política do Café com Leite ruiu após diversas crises na década de 1920, com destaque para a quebra da Bolsa de Nova York, na crise econômica mundial de 1929, cujas consequências no Brasil foram a queda violenta dos preços do café, levando à perda do poder político da elite cafeeira. Outras causas dessa queda foram os movimentos contestatórios às lideranças dominantes na Primeira República, com destaque para o movimento Tenentista, a ser comentado adiante.

O golpe final foi a deposição do Presidente Washington Luiz (1927 – 1930), como desfecho da Revolução de 1930. Esse movimento foi consequência do apoio do Presidente a Julio Prestes na eleição para presidencial para sua substituição. Pelo fato de ambos serem paulistas, a elite mineira se sentiu lesada e reagiu compondo-se com lideranças gaúchas e paraibanas, que apoiavam Getúlio Vargas. Julio Prestes foi eleito, mas não tomou posse devido à vitória do golpe de estado dos revoltosos.

O Tenentismo

Foi um movimento de revolta política e militar surgido entre os oficiais do Exército, em grande parte subalternos insatisfeitos com a política da Primeira República. O movimento buscou alterar a estrutura política pela força e não pela participação democrática da sociedade.

Foi um dos movimentos surgidos na década de 1920 como reação aos problemas estruturais e morais da Primeira República, contaminada pela corrupção, marcada pelo sistema eleitoral fraudulento e por uma economia protecionista, calcada na produção e exportação do café e dominada pelas oligarquias agrárias, numa sociedade em que o povo não tinha nenhum poder político.

Os tenentistas defendiam a derrubada dessa oligarquia agrária e rural do poder político e defendiam uma economia mais moderna, liberal e industrializada. Suas reivindicações coincidiam com as aspirações da classe média urbana. Criticavam o sistema eleitoral e as eleições e defendiam o voto secreto, reformas sociais e econômicas.

Destacam-se, entre os movimentos em que os tenentistas se envolveram, as revoltas a seguir: os 18 do Forte Copacabana no RJ, em 1922, os levantes em SP, MT e RS, em 1924, a Coluna Prestes de 1925 a 1927 e a Revolução de 1930. Entre os tenentistas mais conhecidos, destacaram-se: Juarez e Joaquim Távora, Isidoro Dias Lopes, Miguel Costa, Luís Carlos Prestes, Eduardo Gomes e Siqueira Campos.

Fig. 6 – Os 18 do Forte

 

Consequências da Política do Café com Leite

O principal resultado negativo da Política do Café com Leite foi a desestruturação e consequente enfraquecimento do federalismo no Brasil. No federalismo, os estados têm de ser iguais entre si, portanto, havendo dois estados, SP e MG[8], privilegiados e controlando a estrutura do Estado o resultado, de fato, foi a existência de um pseudo federalismo regionalizado.

O quase monopólio de SP e MG dos recursos advindos das exportações permitiu forte investimento em suas infraestruturas e no desenvolvimento de seus mercados, particularmente por SP. Porém, o desenvolvimento foi calcado numa imensa dívida gerada para manter o café em patamares elevados como produto de exportação.

Nesse contexto, o governo Federal adotara a política de priorizar SP. Para tanto, restringia a distribuição de recursos a outros estados, principalmente os do Nordeste, cujo subdesenvolvimento ainda era agravado pela dificuldade de assimilar o sistema capitalista. O resultado desse empobrecimento somado aos problemas dos recorrentes períodos de seca prolongada no sertão foi o aumento da migração de grandes contingentes de nordestinos para o Sudeste do Brasil.

O poder político e econômico da oligarquia agrária, fortalecido pelo fracasso das tentativas de estímulo à industrialização do País, contribuiu para o atraso da chegada da Revolução Industrial e, assim, prolongou a situação de subdesenvolvimento do Brasil. Só após a Revolução de 1930 o País foi, progressivamente, deixando de ser rural e agrário para se transformar em urbano e industrial.

Fig. 7 – Revolução de 1930

 

Até hoje, SP e MG impulsionados nos idos da República Velha, com sua Política do Café com Leite, e com base no efetivo populacional são dois estados que mais se destacam entre os demais, junto com o Rio de Janeiro, onde estava o Distrito Federal até 1960. Foram os estados que mais rapidamente se industrializaram e se urbanizaram.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A queda da Monarquia deveu-se mais a questões políticas, opondo-lhe interesses de setores influentes e poderosos da liderança nacional, do que às características daquela forma de governo em comparação com a republicana. Não houve adesão popular em respaldo à Proclamação da República e nem grandes reações em defesa da Monarquia.

A República se consolidou após um início difícil, abalada por crises diversas e revoltas internas enfrentadas com firmeza por Floriano Peixoto, entre 1893 e 1895. O fracasso da tentativa de implantar a indústria no Brasil levou à permanência do poder econômico nas mãos da elite oligárquica agrária e rural, sem alterar a estrutura herdada da Monarquia. Na Primeira República, o poder político e econômico da oligarquia agrária, presente em todo País, ensejou uma forte autonomia dos estados, particularmente de SP e MG, com a consequente influência sobre o governo Federal.

A Política do Café com Leite, resultado da preeminência do setor agrícola no campo econômico e do consequente poder político da elite oligárquica rural, com o apoio dos governadores dos estados, durou até 1930, sendo uma das causas de retardo da industrialização e urbanização do País. Essa política se amparava em práticas não republicanas promovidas pelas lideranças nacionais em amplos segmentos da vida social e política do Brasil, perenizando o patrimonialismo, o fisiologismo e a corrupção, todos danosos ao progresso moral e material da Nação.

Crises políticas internas, a partir da década de 1920, fruto da reação de setores da classe média urbana e de militares do Exército (os Tenentistas), ambos desejosos de reformas políticas, sociais e econômicas, agravadas pelas consequências da crise internacional de 1929, atingiram fortemente o poder da elite oligárquica agrária e rural e levaram à Revolução de 1930, que sepultou a Primeira República e inaugurou a Era Vargas (1930 a 1945).

A Era Vargas iniciou a transformação do Brasil de país agrário e rural em país urbano e industrial, chegando ao final do século 20 como um dos países que mais cresceram no mundo. Foram muitos desafios vencidos, de 1930 até o ano 2000, para alcançar o atual patamar de riqueza, desenvolvimento e capacidade para ascender no cenário global.

O Brasil tem potencial para vencer novos obstáculos que se apresentam e os mais graves são a cisão ideológica interna e a crise de valores na sociedade e nas lideranças nacionais. Uma estratégia para vencê-los é conhecermos a nossa história para valorizar os esforços e os feitos de nossos antepassados, que nos legaram um Brasil imenso, uno, soberano e rico.

É preciso amar para valorizar e só amamos o que conhecemos.

 

Notas & Referências

[1] Diretor de Geopolítica e Conflitos do Instituto Sagres; Ex Comandante da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército; Ex Comandante do 5º Batalhão de Infantaria Leve (Lorena – SP); e Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil.

[2] Fonte básica de consulta do item 2: https://escolakids.uol.com.br/historia/a-proclamacao-da-republica-no-brasil.htm

[3] Surgiu como desenvolvimento sociológico do iluminismo, das crises social e moral do fim da Idade Média e do nascimento da sociedade industrial, processos que tiveram como grande marco a Revolução Francesa (1789-1799). Em linhas gerais, ele propõe à existência humana valores completamente humanos, afastando radicalmente a teologia e a metafísica (embora incorporando-as em uma filosofia da história). O positivismo defende a ideia de que o conhecimento científico é a única forma de conhecimento verdadeiro. De acordo com os positivistas somente pode-se afirmar que uma teoria é correta se ela foi comprovada através de métodos científicos válidos. Os positivistas não consideram os conhecimentos adquiridos através de crenças religiosas, superstição ou qualquer outro, do campo espiritual, intuitivo ou transcendente, que não possa ser comprovado cientificamente. Para eles, progresso da humanidade depende exclusivamente dos avanços científicos – https://pt.wikipedia.org/wiki/Positivismo.

Mais sobre Positivismo: https://brasilescola.uol.com.br/sociologia/positivismo.htm

[4] Fonte de consulta básica do item 3: https://brasilescola.uol.com.br/historiab/governo-de-floriano-peixoto.htm

[5] Foi a Crise do “Encilhamento”. Crise econômica, financeira e institucional, no início da República, marcada por forte inflação e pela formação de uma bolha de crédito, que estourou durante a República da Espada. O então Ministro da Fazenda, Ruy Barbosa, para estimular a industrialização, adotou uma política baseada em créditos livres aos investimentos industriais garantidos pelo aumento da emissão de papel-moeda. Isso trouxe muita oferta de crédito ao mercado e deu início a um processo inflacionário. Pelo modo em que o processo foi estruturado e gerenciado, junto com a expansão dos capitais financeiro e industrial, vieram desenfreada especulação financeira em todos os mercados e forte alta inflacionária, causadas pela desconfiança oriunda de determinadas práticas no mercado financeiro, como excesso de lançamento de ações sem lastro, e posteriores ofertas públicas de aquisição visando o fechamento de capital. Wikipédia: https://pt.wikipedia.org>wiki>Crise_do_encilhamento

[6] Fonte Básica do item 4: Wikipedia: https://pt.wikipedia.org › wiki › Política_do_café_com_leite

[7] Wikipedia: O patrimonialismo foi implantado no Brasil pelo Estado colonial português quando o processo de concessão de títulos, de terras e poderes quase absolutos aos senhores de terra legou à posteridade uma prática político-administrativa em que o público e o privado não se distinguem perante as autoridades. Assim, torna-se “natural” desde o período colonial [-]  a confusão entre o público e o privado.

https://pt.wikipedia.org/wiki/Patrimonialismo#:~:text=O%20patrimonialismo%20%C3%A9%20um%20conceito,em%20praticamente%20todos%20os%20absolutismos.

[8] Em termos políticos, econômicos e financeiros, deve-se considerar que o Rio de Janeiro também tinha um alto grau de poder na República, pelo fato de abrigar o Distrito Federal.

 

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