A MARINHA NA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL

 

CMG (Ref) José Alberto Cunha Couto

 

 

Há 80 anos, a nossa Marinha iniciava uma heroica e dolorosa participação em nossa História: a II Guerra Mundial (II GM).

Foi no mar, e não nos campos italianos, que mais brasileiros morreram nesse conflito.

DA NEUTRALIDADE À BELIGERÂNCIA

Em 1939, ao início da II GM, os países das Américas, buscando evitar a entrada no conflito europeu, estabeleceram uma Zona de Segurança Pan-Americana, com os Estados Unidos (EUA) executando as chamadas “Patrulhas da Neutralidade” para proteção dos comboios de navios mercantes que transportavam produtos do continente americano para a Europa.

Nessa tarefa, a US Navy (Marinha Norte-Americana), por vezes, detectava os U-Boot (submarinos alemães), que eram informados à Royal Navy (Real Marinha Britânica), a quem cabia atacá-los.

Esse procedimento irritou a Kriegsmarine (Marinha Alemã) que o entendeu como um rompimento da neutralidade pelos EUA.

Foi quando os U-Boot iniciaram ataques a navios mercantes nas águas dos EUA, inclusive os brasileiros (CABRAL, 2020, p. 10).

Nesse contexto, em 22 de março de 1941, no Mediterrâneo, ocorre um ataque aéreo alemão ao nosso navio Taubaté, matando e ferindo tripulantes e o danificando seriamente (MEDEIROS, 2018).

Mais outros 35 navios desarmados brasileiros (que mantinham o tráfego de cabotagem e de longo curso) seriam torpedeados por submarinos, já agora em represália à adesão do Brasil à Carta do Atlântico (alinhamento caso qualquer nação do continente americano fosse atacada por uma extracontinental).

A neutralidade brasileira era, portanto, apenas teórica.

Após meses de torpedeamento de navios mercantes, o Governo Brasileiro declarou guerra ao Eixo (Alemanha, Itália e Japão), em agosto de 1942.

 

A ENTRADA DE NOSSA MARINHA NA II GM

1942 encontrou a nossa Marinha de Guerra (depois Marinha do Brasil – MB), em situação material bastante precária.

A missão principal da MB na II GM era, então, garantir a proteção dos comboios que trafegavam entre Trinidad, no Caribe, e Florianópolis; e cada passagem deles era uma vitória. Tratava-se basicamente de operações defensivas.

Essa missão era meticulosamente preparada pela Marinha e, na véspera da saída de cada comboio, havia uma reunião com os Comandantes e Oficiais dos navios mercantes a serem escoltados, para normas e procedimentos, inclusive de emergência e de disciplinas de luzes e ruídos.

Segundo o Almirante Hélio Leôncio Martins, nessa época nada se sabia sobre defesa antissubmarino (A/S) e não havia armas nem equipamentos para tal.

Por essa razão, inicialmente, houve a necessidade de receber dos EUA os equipamentos e capacitação necessários para a guerra A/S.

 

OS NOVOS EQUIPAMENTOS E MEIOS

Foram recebidos, num primeiro lote, pelo Lend & Lease Program, entre setembro de 1942 e abril de 1943, os primeiros navios caça-submarinos, da Classe J, conhecidos como caça-pau (por serem construídos em madeira), batizados Javari, Jutaí, Juruá, Jacuí, Jaguaribe, Jaguarão e Jundiaí.

Eram navios um pouco mais apropriados para a guerra A/S, equipados com sonar; um canhão de 76mm; duas metralhadoras de 20 mm; duas calhas para lançamento de cargas de profundidade pela popa; quatro calhas para lançamento de cargas de profundidade pela borda; e dois lança-morteiros.

Esses navios, que tinham uma tripulação de 27 militares, eram lentos (navegavam a 15 nós), e mostraram-se pouco adequados ao mar do Nordeste, tornando sua operação bastante desconfortável. Apesar de terem um armamento razoável para o ataque a submarinos submersos, eram ineficientes para combatê-los na superfície (BRASIL, 2020, p. 2).

Eram, portanto, duras as jornadas, próximas a 30 dias de mar, cada uma (CABRAL, 2020, op. cit. p. 14).

Fig. 1 – Navio Caça-Submarinos da Classe J (Caça-Pau) – Fonte: Marinha do Brasil

 

Posteriormente, entre junho e novembro de 1943, chegaram navios maiores, guarnecidos por 64 tripulantes, construídos em chapas de aço, e logo conhecidos como caça-ferros.  Foram designados Classe G, batizados Gurupi, Guaporé, Guaíba, Gurupá, Guajará, Goiana, Grajaú e Graúna.

Eram melhores que os caças-pau para o combate a submarinos, além de mais  apropriados à escolta de comboios, dispondo de equipamentos mais modernos, inclusive radar.

Fig. 2 – Navio Caça-Submarinos da Classe G (Caça-Ferro) – Fonte: Marinha do Brasil

 

Mais tarde, em 1944, a MB recebeu da US Navy os Contratorpedeiros da Classe Cannon, que aqui foram designados como Classe B e batizados Baependi, Bertioga, Beberibe, Bracuí, Bauru, Benevente, Babitonga e Bocaina.

 Eram já navios projetados especificamente para a guerra antissubmarino, tendo introduzido, além de novos equipamentos, novas táticas de emprego A/S na MB, àquela época.

Evolução das anteriores, os classe B vinham com radar para detecção de alvos de superfície e para aéreos; dois geradores de fumaça na popa; e já o centro de informações de combate.

Eram navios mais manobráveis, mais velozes (máxima de 20 nós) e mais confortáveis que os anteriores, o que fez dessas belonaves a espinha dorsal da nossa Esquadra, naquela época (BRASIL, 2020, p. 2).

Fig. 3 – Contratorpedeiro da Classe B – Fonte: Marinha do Brasil

 

 A EVOLUÇÃO DA MISSÃO DURANTE A GUERRA

A partir de 1942, com a chegada de caça-submarinos e de contratorpedeiros americanos, a situação melhorou, ampliando-se a ação da Marinha e sua área de patrulhamento e, com isso, garantindo mais a continuidade do comércio no litoral brasileiro.

À medida que os novos navios iam chegando à MB, esta aumentava a sua participação na escolta de comboios em nosso litoral, permitindo, assim, aos norte-americanos realocarem suas belonaves para outras áreas do conflito.

Com esses novos posicionamentos da US Navy, a MB veio a participar também de patrulhas oceânicas, como as realizadas pelos Contratorpedeiros Mariz e Barros e Marcílio Dias, integrando operações em Forças-Tarefa americanas, objetivando interceptar navios furadores do bloqueio marítimo à Alemanha.

Coube, ainda, à nossa Marinha, a escolta do transporte da Força Expedicionária Brasileira (cerca de 25.000 militares) até Gibraltar.

Os números da Marinha nessa guerra falam por si.

As Marinhas de Guerra e Mercante deram muito de si, seja pelo tempo de atividades em guerra (desde agosto de 1942); seja pelo número de suas ações (3.164 navios sustentando nossa Economia); seja pelos seus mortos (1.449, sendo 477 militares, 470 mercantes e 502 passageiros).

Houve ainda o afundamento de 43 navios estrangeiros próximos ao litoral do Brasil (CABRAL, 2020, op. cit., p. 10).

 

Em combate, a MB perdeu apenas um navio: o Navio-Auxiliar Vital de Oliveira, torpedeado pelo U-861

O lado positivo de todo esse sacrifício: a Marinha, em contato com as novas tecnologias, equipamentos e doutrinas impostas pela guerra, modernizou-se e esse é o seu espírito até os dias atuais.

 

HOMENAGEM AOS HERÓIS ANÔNIMOS

Vimos que a Marinha do Brasil e a Mercante atuaram como guardiãs de nosso país até quando não estavam preparadas para os desafios, mas com trabalho e coragem mantiveram alta a nossa bandeira.

Este artigo é, pois, uma homenagem a todos os homens do mar, muitos deles heróis anônimos, não citados pelos registros da II Guerra Mundial. Muitos tiveram como lápide tão somente as também anônimas ondas do mar.

É interessante observar o heroísmo anônimo que parece ser, com frequência, a marca dos embates nacionais. As lições do passado estão, pois, a nos dizer que cumpre não esquecer os heróis de hoje, na linha de frente do combate à COVID-19.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CABRAL, R. P. A Marinha do Brasil na Batalha do Atlântico, 1942-1945. Revista Navigator. Rio de Janeiro: Diretoria do Patrimônio Histórico e Documentação da Marinha, 2020. n. 32.

MEDEIROS, Rostand. 1941 – O ataque de um avião nazista ao cargueiro Taubaté e o primeiro potiguar a testemunhar o horror da Segunda Guerra. Natal: Tok de História, 2018. Disponível em: https:// tokdehistoria.com.br/tag/navio-taubate/. Acesso em 19 fev. 2022.

BRASIL. Comando da Marinha. Juruena. Caça-Submarino/Navio Hidrográfico. Rio de Janeiro: Diretoria de Patrimônio Histórico e Documentação da Marinha [DPHDM], 2020. Disponível em: https://www. google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=&cad=rja&uact=8&ved=2ahUKEwicvriYnJL2AhWyEbkGHVNmCAkQFnoECCAQAQ&url=https%3A%2F%2Fwww.marinha.mil.br%2Fdphdm%2Fsites%2Fwww.marinha.mil.br.dphdm%2Ffiles%2FJuruenaCacaSubmarinoNavioHidrografico1942-1951.pdf&usg= AOvVaw1KPMMWjNfq1IoN5k2bVwsv. Acesso em 20 fev. 2021.

BRASIL. Comando da Marinha. Baependi. Contratorpedeiro de Escolta/Aviso-Oceânico. Rio de Janeiro: Diretoria de Patrimônio Histórico e Documentação da Marinha [DPHDM], 2020. Disponível em: https:// www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=&cad=rja&uact=8&ved=2ahUKEwihwaG80qP2AhWZD7kGHZpCCJ4QFnoECAoQAQ&url=https%3A%2F%2Fwww.marinha.mil.br%2Fdphdm%2Fsites%2Fwww.marinha.mil.br.dphdm%2Ffiles%2FBaependiContratorpedeiroDeEscoltaAvisoOceanico1944-1973.pdf&usg=AOvVaw17Z_D-gsVb1_w1bmYkuaun. Acesso em: 19 fev. 2022.

 

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