A Participação da Maçonaria no Fato Histórico do Dia do Fico

Baixar em formato pdfCoronel Veterano EB Manoel da Penha Alves

 

 

 

“Se é para o bem de todos e felicidade geral da nação, estou pronto, digam ao povo que fico!”

D. Pedro I

1. INTRODUÇÃO

Instado pelo Instituto Sagres e pelo Grande Oriente do Brasil, para como parte integrante das comemorações do Bicentenário da Independência, apresentar um trabalho que demonstre a participação ativa da instituição maçônica no nosso processo de emancipação política, cumpro com alegria o indeclinável dever de pintar com as cores verde e amarelo de brasilidade um quadro histórico que retrate a participação da Maçonaria, no importante fato que ficou conhecido como o dia do Fico, e que se constitui em marcante etapa no processo que culminou com a nossa Independência.

É fato que os representantes da Maçonaria que influenciaram e conduziram o nosso Príncipe Regente a liderar o processo de emancipação política do Brasil, defendiam as ideias iluministas então reinantes no continente europeu, e motivados pela Revolução Liberal do Porto, o Dia do Fico, proclamado por Dom Pedro I, no Paço Imperial, no Rio de Janeiro, no dia 9 de janeiro de 1822, marcou a história brasileira determinando a permanência do Príncipe Regente no Brasil e o fim do regime de tutela ao qual estávamos submetidos.

O evento histórico, ficou caracterizado como um acontecimento político importante , pois fortaleceu a posição brasileira na busca pela independência e distanciou o Brasil cada vez mais da influência portuguesa.

A Revolução Liberal do Porto, fato histórico que gerou a crise política que se instalou no Brasil, a 5razão de o modelo absolutista ter começado a ruir em todo o continente europeu, a independência das treze colônias americanas, a revolução francesa e a organização da maçonaria fluminense, então bastante atuante, foram marcos importantes do que viria a acontecer com o Dia do Fico e seu prosseguimento até a concretização do processo que iria
culminar, ainda em 1822, com a emancipação política completa do Brasil.

2. DESENVOLVIMENTO

O iluminismo foi um movimento cultural, intelectual e filosófico que surgiu durante o século XVII na Europa e que veio a ganhar força no século XVIII, valorizava a busca pelo conhecimento e defendia o uso da razão contra o então regime feudal, absolutista e pregava maior liberdade política e econômica dos povos. Baseava-se o movimento filosófico nos pilares: liberdade, razão e crescente avanço da sociedade em relação ao pensamento
racional, humanista e científico. Os filósofos, em sua grande maioria eram membros da burguesia e se opunham às monarquias absolutistas, ao mercantilismo, aos privilégios dos nobres e à influência da igreja católica no poder político das nações e com base nessas características:

  • Faziam oposição total ao absolutismo;
  • Defendiam a liberdade política, econômica e religiosa;
  • Valorizavam o uso da razão acima de tudo; e
  • Defendiam a educação para todos.


Ao tratar do envolvimento da Maçonaria no processo de emancipação política do Brasil entre os anos de 1820 e 1822, com destaque para o Dia do Fico, reafirma-se que as Lojas Maçônicas se constituíram em importantes e seguros locais de discussão e elaboração de medidas liberais frente à conjuntura política do período considerado, com destaque na escolha das opções políticas liberais eleitas e implementadas pela elite política da época.

Com a frase ¨Se é para o bem do povo e felicidade geral da nação, estou pronto, digam ao povo que fico!” D Pedro I respondia às exigências das Cortes portugueses que exigiam o retorno do mesmo a Portugal e com tal atitude o Príncipe Regente declarava que não cumpriria as ordens oriundas da Metrópole, ficando no Brasil.

O episódio ocorreu em 9 de janeiro de 1822 e marcou o início de um processo que terminaria com a Independência do Brasil, e o motivo apresentado por D João VI para o retorno de Dom Pedro era para o príncipe terminasse sua formação acadêmica, mas, na realidade as Cortes de Portugal estavam preocupadas com o que vinha ocorrendo no Brasil com relação à emancipação política e viam no retorno de D Pedro uma maneira bem lógica de recolonização do Brasil e enfraquecimento das ideias de liberdade política.

As Cortes Portuguesas, instituição política surgida como consequência da Revolução do Porto, ao tomarem medidas absolutamente impopulares em relação ao Brasil, visto que exigiam o retorno imediato do príncipe regente a Portugal, com o argumento de complementação dos estudos acadêmicos e o envio de mais tropas para o Brasil, caracterizando uma vez mais que as negociações entre as autoridades brasileiras e as portuguesas sempre foram marcadas pela intransigência dos portugueses e que contribuíam para aumentar o mal-estar existente entre brasileiros e portugueses, foram vetores da criação do Clube da Resistência, sociedade de orientação maçônica, que redigiu e recolheu cerca de 8 mil assinaturas, em cujo teor exigia a permanência do príncipe no Brasil, pedido que foi acatado pelo monarca, que após análise vaticinou que permaneceria no Brasil.

Os acontecimentos que se sucederam e que caracterizavam ações de continuidade de intransigência e desrespeito para com o povo brasileiro, iriam desaguar na ruptura total das relações com Portugal e conduziriam naturalmente ao Grito do Ipiranga e Independência do Brasil. Todos os movimentos que iriam constituir as demais etapas do processo de independência contaram com a participação efetiva da maçonaria brasileira.
No processo que culminou com o que ficou conhecido como Dia do Fico, influenciaram com destaque na tomada de decisão do Príncipe Regente  D Maria Leopoldina, sua esposa, e seu conselheiro, o notável maçom, José Bonifácio de Andrada e Silva.

É fato que dois maçons desempenharam papel de liderança na condução dos trabalhos que culminaram com o Dia do Fico: José Clemente Pereira, presidente do Senado da Câmara do Rio de Janeiro, com o recolhimento de assinaturas pedindo a permanência do príncipe regente no Brasil e José Bonifácio de Andrada e Silva, no assessoramento direto a D. Pedro.

Depois da Revolução do Porto, movimento que contou com a participação ativa e fundamental da maçonaria, as sociedades maçônicas no Brasil passaram a ser o centro mais atuante de trabalho e de propaganda de emancipação. Segundo a historiadora Célia de Barros Barreto, a instituição maçônica passou a atuar como um verdadeiro partido político, dentro do qual as divergências residiam apenas na modalidade de implantação da independência, ambas defendendo a emancipação política, mas sob formas diferentes de  governo e maneiras diversas de encarar a questão. O grupo republicano de Gonçalves Ledo, Clemente Pereira, Francisco da Nóbrega e cônego Januário Barbosa defendia o rompimento total dos laços com a metrópole monárquica portuguesa, enquanto o grupo de José Bonifácio pregava a união brasílico-lusa, logo adepta de uma independência com governo monárquico constitucional.

A Maçonaria, por intermédio das Lojas Maçônicas fundadas nos séculos XVII e XVIII, desempenhou papel de destaque no processo de emancipação política do Brasil, na medida em que nos ambientes maçônicos discutiam-se as ideias liberais e combatia-se com vigor o absolutismo reinante.

Segundo o historiador Caio Prado Júnior, o papel da Maçonaria foi articular uma situação própria e interna de uma colônia europeia à política geral da Europa. O Brasil representava um dos redutos do absolutismo europeu, contra quem, de uma forma geral, ela se dirigia, tratava-se no caso, da monarquia portuguesa.

O movimento de expansão da ordem maçônica para a América portuguesa, guarda relação direta com o contato que os filhos de membros da classe dominante mantinham no meio acadêmico das universidades da Europa onde estavam concluindo seus estudos, e a expansão das Lojas Maçônicas na América e em especial no Brasil, está vinculada ao crescimento das ideias liberais.

Escritores e historiadores asseveram que no Brasil do século XVIII, as Sociedades Maçônicas se caracterizavam por cederem seus espaços para divulgação das ideias liberais e combate intransigente ao sistema colonial vigente.

O iluminismo, com sua filosofia liberal e de combate intransigente ao sistema absolutista dominando o pensamento emancipacionista, contribuiu de uma maneira altamente efetiva para nossa emancipação política, e as discussões nos ambientes das Sociedades Maçônicas, se constituíram em vetores principais dos movimentos que se constituíram em etapas importantes do processo de emancipação do Brasil, sendo que o Dia do Fico, foi a etapa inicial e principal do processo que veio a culminar com o famoso Grito de Independência.

A Maçonaria Brasileira e o Grande Oriente do Brasil, com sua filosofia liberal e coragem dos que sonharam com nossa emancipação política,  plantaram ¨sementes¨ de liberdade por todo o Brasil, e a primeira ¨semente¨ que germinou, já na fase final de todo o processo, ficou conhecida como o Dia do Fico.

José Bonifácio, membro ativo da Maçonaria da época, desempenhou, comprovadamente, importante papel na decisão do príncipe regente em permanecer no Brasil, e segundo Monteiro ( 2009 ), o ambiente intelectual que José Bonifácio encontrou em Coimbra, onde completou sua formação superior, sendo diplomado em direito e filosofia, estava diretamente influenciado pelas profundas transformações liberais, fruto da notória ascendência dos autores iluministas no ambiente universitário europeu.

Segundo Carneiro ( 1997, p. 147 ) a atuação diligente de Bonifácio no processo do Fico, somado à defesa da centralização do poder sob D. Pedro, garantiu-lhe o apoio e a confiança necessários para que o príncipe regente o nomeasse, em 16 de janeiro de 1822, ministro dos Negócios do Reino e Estrangeiros, a mais importante das quatro pastas do governo na ocasião. A Maçonaria marcava de maneira cabal posição de destaque no governo imperial e, sem dúvida alguma, iria influenciar, sobremaneira, na realização de todas as ações que culminariam com o famoso Grito do Ipiranga, em 7 de setembro de 1822.

 

Pesquisas realizadas, permitem listar entre as sociedades mencionadas as seguintes:

  • Seminário de Nossa Senhora da Graça em Olinda. Esse seminário abrigou importantes figuras dos movimentos revolucionários de 1817 e 1824.
  • Academia Suassuna, onde se destacou o Maçom Francisco de Paula Cavalcanti de Albuquerque, local para debate das ideias liberais e vetor incentivador de revoltas de caráter nativista e emancipacionistas.
  • Aerópago de Itambé, onde assumiu posição de destaque o maçom Manuel de Arruda Câmara, importante centro irradiador das ideias liberais.
  • Clube Recreativo e Cultural da Velha Guarda, fundado em 1819, por antigos membros da Loja Maçônica Comércio e Artes de 1815.
  • Clube da Resistência, que funcionava na casa do seu fundador, o maçom Joaquim José da Rocha, que era membro ativo da Loja Maçônica Comércio e Artes, e que após o Fico, passou a se chamar Clube da Independência, desenvolveu papel de liderança na decisão do Príncipe Regente em proclamar o Fico.

Todo o movimento intelectual de caráter liberal que invadiu o Brasil Colônia e se estendeu até o completo processo de emancipação política do Brasil, não teria alcançado seus objetivos se lhe tivesse faltado o agente que, junto ao povo, vulgarizasse as novas ideias e ideais. Esse agente foi a Maçonaria.

Listamos a seguir as datas de fundação das primeiras Lojas Maçônicas no Brasil e que exerceram influência capital nas decisões que corporificaram o  processo de emancipação política do Brasil:

  • Loja Reunião – Niterói – 1801;
  • Loja Constância e Loja Filantrópica – Rio de Janeiro – 1804;
  • Loja Virtude e Razão Restaurada – Bahia – 1807;
  • Loja União – Bahia – 1813;
  • Loja Comércio e Artes – Rio de Janeiro – 1821;
  • Grande Oriente do Brasil – Rio de Janeiro – 17/06/1822;
  • Loja Comércio e Artes, Loja União e Tranquilidade e Loja Esperança de Niterói – 1822.

As três últimas resultantes de um desmembramento da Loja Comércio e Artes e que viriam a desempenhar um papel de extrema importância no desenrolar do processo que culminaria com a Independência do Brasil.

 

 

3. CONCLUSÃO

As ideias liberais protagonizadas pelo iluminismo no Brasil Colônia foram gestadas nas discussões realizadas nas lojas maçônicas, que abrigavam em seus ambientes como membros ativos, filhos dos grandes senhores de escravos e de terras regressando de seus estudos em universidades da Europa, viajantes ricos de passagem pelo Brasil, figuras expressivas do período colonial, com destaque para fazendeiros, militares, professores, comerciantes e expressivo contingente de representantes do credo católico.

Com o objetivo de reestruturar a economia portuguesa, os revolucionários do Porto, defendiam que a manutenção dos laços coloniais com o Brasil era de suma importância para o fortalecimento da economia de Portugal. A reação da aristocracia brasileira foi a formação do Partido Brasileiro com o intuito de mobilizar forças que preservassem seus interesses de ordem econômica, e na medida do possível este partido representava, assim como o Partido Português e o Partido Liberal-Radical, correntes de opinião.

As Cortes de Portugal, ao tomar medidas consideradas impopulares no Brasil, entre essas a exigência do retorno imediato do príncipe regente a Portugal, com o argumento de completar os estudos acadêmicos, acirrou os ânimos dos brasileiros que, com o incansável apoio da Maçonaria, fundaram o Clube da Resistência e colheram 8 mil assinaturas, exigindo a permanência de D Pedro no Brasil e que redundou no famoso e importante Dia do Fico, etapa importante do processo de emancipação política do Brasil e que no mesmo ano iria desaguar na Declaração de Independência do Brasil.

O processo de independência do Brasil, concretizado durante a regência de D Pedro I, e que teve seu marco no Grito do Ipiranga, em 7 de setembro de 1822, apresentou diversas etapas e uma delas, talvez a mais importante, ficou conhecida como o Dia do Fico, ocasião na qual o Príncipe Regente comprometeu-se a ficar no Brasil, em desobediência explícita às ordens emanadas das Cortes Portuguesas.

A maçonaria brasileira, com base nas lojas regulares que ao longo do tempo desenvolveram atividades de divulgação e conquista de vitórias que custaram a vida de muitos de seus membros, e com o surgimento do Grande Oriente do Brasil sob sua orientação direta, foi responsável por passagens históricas memoráveis e pela honra do juramento realizado de tornar o nosso solo livre e soberano.

Prestamos neste trabalho, nosso respeito e homenagem a muitos heróis anônimos, pela doação do seu tempo, de seu conhecimento e de sua coragem pelo bem do Brasil.

Destaque especial, em se tratando do Dia do Fico, destina-se ao Maçom José Bonifácio de Andrada e Silva, um dos mentores, talvez o maior, pela concretização desse fato histórico.

Finalizo esta peça histórica com uma transcrição:

“Com razão, pode afirmar-se que 9 de janeiro de 1822, o dia do Fico, marcou o início da nossa emancipação política. O ato de D. Pedro, rebelando-se contra as Cortes de Lisboa, assinalou de modo irretorquível, a sua adesão aos anseios de independência do Brasil. O gesto de insubmissão do Príncipe Regente indicou de maneira clara, a nossa emancipação. D. Pedro, com sua atitude, passou a integrar o movimento nacionalista brasileiro. A sua reação era demonstração às Cortes de Lisboa, de que ele não se considerava mais um tutelado, que tinha por quebrados os grilhões que acorrentavam o Brasil à Portugal. “

(Varnhagen – História da Independência do Brasil)

 

Paço Imperial, onde ocorreu a declaração do Dia do Fico

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CASTELLANI, José. CARVALHO, William Almeida de. História do Grande Oriente do Brasil. São Paulo: Madras, 2009.

VIANA, Hélio. História do Brasil: Período Colonial, Monarquia e República. São Paulo: Melhoramentos, 1994.

BUENO, Eduardo. Brasil: uma História. São Paulo: Leya, 2018.

 

Retorna ao Bicentenário em Revista

Home