MARIA FIRMINA DOS REIS: A PRIMEIRA ESCRITORA NEGRA DO BRASIL

 

Prof. José Osmar Monte Rocha

Prof. Dr. Lucas Araújo Monte

 

Maria Firmina dos Reis, professora e escritora

Em março de 2022 a história registrou 200 (duzentos) anos do nascimento de Maria Firmina dos Reis, considerada a primeira escritora negra do Brasil; nascida no dia 11/03/1822, em São Luís (MA), e falecida no dia 11/11/1917, na cidade de Guimarães (MA), com 95 anos de idade. Filha de Leonor Felippa dos Reis (mãe), escrava alforriada, e de pai desconhecido, Maria Firmina foi criada pela tia materna desde os cinco anos de idade, após o falecimento da mãe.

A favorável condição financeira da tia permitiu que Maria Firmina tivesse acesso à educação e à literatura, e estudasse em escolas conceituadas – o que era raríssimo para uma mulher negra da época. O contato e o apoio do primo gramático maranhense, Francisco Sotero dos Reis, também favoreceram o florescimento da sua obra.

Maria Firmina foi uma revolucionária na sociedade, na educação e na literatura; uma mulher de coragem e ideal. Ela foi escritora, compositora, poetisa, instrumentista e educadora. Formada em pedagogia, aprovada em concurso público aos 25 anos, se tornou a primeira professora negra do Colégio primário do município de Guimarães, no Maranhão.

A obra de Maria Firmina foi marcada pelas ideias abolicionistas, por retratar os sofrimentos e as crueldades sofridas pelos escravos e, principalmente, por apresentar, nas suas histórias, os escravos como protagonistas e seres humanizados – fato incomum na grande parte dos romances escritos à época por autores brancos. Desse modo, a narrativa dos romances de Maria Firmina se desenvolve a partir do ponto de vista dos negros.

A condição de mulher negra era o maior desafio de Maria Firmina, dado os preconceitos estruturais predominantes na sociedade da época. Mesmo assim, as publicações da autora maranhense fizeram sucesso; embora repleta de diversas críticas. Além do preconceito, a sua obra era considerada afrontosa e inadequada, pois ia de frente à perspectiva da elite branca, composta, inclusive, por defensores da manutenção da escravidão. Fato que explica a maior parte das críticas.

Dentre as diversas obras de Maria Firmina, pode-se destacar Úrsula. O primeiro romance abolicionista da autora, publicado sob o pseudônimo de “uma maranhense”, em 1859, baseia-se num triangulo amoroso de pessoas de classes sociais diferentes. Contudo, a inovação da história se dá a partir da criação de três protagonistas negros, que questionam a construção da identidade brasileira, baseada no sofrimento e miséria sofrida pelos negros para servirem à elite branca.

Úrsula e Outras Obras – Publicação da Câmara dos Deputados (clique na imagem para baixar)

Outras publicações de destaque de Maria Firmina foram Gupeva, novela indianista (1861), Cantos à beira-mar (1871), um compilado de 56 poesias; e o conto A escrava (1887).

No mês de novembro (no período de 23 a 27/11/22), ocorreu o destacado evento cultural, a Festa Literária Internacional de Paraty – FLIP – RJ, na sua 20ª edição, com homenagem à escritora maranhense Maria Firmina dos Reis.

A história demorou muito tempo para destacar a importância da abolicionista do preconceito (a escritora negra), precursora do sentimento de igualdade e liberdade para todos; e a literatura do Brasil demorou dois séculos para prestar a justa homenagem àquela que abriu caminho para a educação em escola mista (meninos e meninas) na mesma sala de aula.

Até hoje existe preconceito de raça e religião, desigualdade educacional e econômica e estratificação social. Naquele tempo, uma mulher negra não tinha o reconhecimento de mérito por mais que fosse inteligente e prendada. Portanto, Maria Firmina dos Reis enfrentou preconceitos, quebrou barreiras e triunfou, tornando-se a primeira mulher negra escritora no Brasil.

Maria Firmina optou por não se casar, não ter filhos e se dedicar à causa da educação, da literatura e da liberdade dos negros escravizados no Brasil. Morreu pobre, cega e abandonada, passando os últimos dias da sua vida sendo cuidada por uma ex-escrava.

A autora maranhense se tornou uma visionária ao pensar a construção de uma real sociedade brasileira na qual não houvesse distinções entre negros e brancos. Além do devido reconhecimento, a sua obra demonstra uma grande relevância nos dias atuais, e talvez seja um meio que nos ajude a compreender a formação da nossa sociedade, visando aperfeiçoá-la. O maior patrimônio deixado por Maria Firmina foi deixar elementos para pensar numa sociedade igualitária, justa, democrática e desenvolvida. Tudo isso expresso nas suas obras literárias produzidas.

 

Uma Amostra da Obra de Maria Firmina dos Reis

ESQUECE-A

Amor é gozo ligeiro,

Mas é grato e lisonjeiro

Como o sorriso infantil;

Promessa doce, e mentida,

Alenta, destrói a vida;

É um delírio febril.

Muito te amei… minha lira,

Que triste agora suspira,

Nesta erma solidão,

Bem sabes ─ ricas de flores,

Cantava os ternos amores,

Do meu terno coração.

Minha afeição era pura.

Não era engano, cordura,

Não era afeto mentido;

Se ela assim te não cativa,

Esquece-a, que sou altiva,

Esquece-a, sim ─ fementido.

– – In: Úrsula e outras obras. Brasília: Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2018. p. 228.

 

Referências:

Memória de Maria Firmina dos Reis. Homepage. Internet. Disponível em: <https://mariafirmina.org.br/>. Acesso em: 10/12/2022.

MUZART, Zahidé L. Escritoras Brasileiras do século XIX. Florianópolis: Editora Mulheres; Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2000.

REIS, Maria Firmina dos. A escrava. Edição de Base. Florianópolis: Biblioteca Virtual Brasileira – Universidade Federal de Santa Catarina: 1887. Disponível em: <https://www.literaturabrasileira.ufsc.br/documentos/?action=download&id=117116>. Acesso em 10/12/2022.

REIS, Maria Firmina dos. Cantos à Beira-Mar. São Paulo: Cartola Editora, 1871.

REIS, Maria Firmina dos. Úrsula: Romance original brasileiro. São Luís, MA: Tipografia do Progresso, 1859.

REIS, Maria Firmina dos. Gupeva. Edição de Base. Florianópolis: Biblioteca Virtual Brasileira – Universidade Federal de Santa Catarina: 1861. Disponível em: <https://www.literaturabrasileira.ufsc.br/documentos/?action=download&id=117117>. Acesso em 10/12/2022.

BENGOZI, Bruna. 5 Poesias de Maria Firmina dos Reis. Livro & Café. Disponível em: <https://livroecafe.com/2020/05/5-poesias-de-maria-firmina-dos-reis/>. Acesso em: 02 jan. 2023.

 

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