Princesa Leopoldina – A Primeira Imperatriz

 

Embaixadora Marianne Feldmann

Jacintho Mendes Lopes Júnior – Cel Veterano da FAB

 

“Se os seus contemporâneos souberam vislumbrar naquela arquiduquesa austríaca a heroína da Independência e da Consolidação da Nação, nós, seus herdeiros, e grandes beneficiários de suas lutas e sacrifícios, temos a obrigação de não deixar perecer sua memória”.

Dep. Evandro Gussi

 

Vinte e dois de janeiro foi mais um aniversário da princesa Carolina Josepha Leopoldina[1] Francisca Fernanda de Habsburgo-Lorena, nascida em 1797, no Palácio de Hofburg, em Viena, na Áustria, era a quinta filha (GOMES, 2015, p. 117 [i]) do Imperador da Áustria, Francisco I, e sua esposa, a Princesa Maria Tereza Carolina de Nápoles e da Sicília, segunda esposa do Imperador.

Fig. 1 – O Imperador Francisco I, da Áustria, sua esposa, Maria Teresa, e seus filhos. A Princesa Leopoldina é a segunda da direita para a esquerda (Fonte: WIKIPEDIA, 2022[ii])

Na Áustria, as referências a ela são como Sua Alteza Imperial Arquiduquesa Leopoldina (MENK, 2017, p. 16 [iii]), mas, no Brasil, ela passou a assinar Maria Leopoldina, após o casamento, devido a uma tradição da família real portuguesa de incluir o nominar as infantas como Maria, demonstrando assim, profundo respeito e aceitação por sua nova família, a casa de Bragança, e por sua nova Pátria, o Brasil.

Para entendermos esta figura tão importante na nossa História, torna-se fundamental conhecermos a sua educação e como ela se preparou para deixar uma marca tão profunda nos poucos anos que ela viveu aqui no Brasil.

 

INFÂNCIA E EDUCAÇÃO

A princesa Leopoldina, juntamente com seus onze irmãos, foi criada dentro dos padrões da Casa de Habsburgo, família do seu pai, o Imperador Francisco I, da Áustria, que, até então, mantinha-se naquele trono pelos últimos 350 anos, dando a ela uma das educações mais primorosas e metódicas da Europa. Os princípios que nortearam a sua educação eram religião, dever e serviço aos seus povos, a fim de que tanto os príncipes quanto as princesas estivessem aptos a servir aos interesses políticos do Estado.

Desde a sua infância, dividia o seu dia

“…entre orações, aulas com professores particulares, refeições formais, trabalhos nos jardins, exercícios de leitura e memorização, encontros com membros da família, vez ou outra uma ida ao teatro, visitas a exposições e museus, participações em eventos beneficentes e ainda recepção a visitantes estrangeiros”. (GOMES, 2015, op. cit. p. 116-117)

Essa tradição dos Habsburgos de preparação dos príncipes e princesas para serem protagonistas de casamentos dinásticos permitiu que os domínios da família se expandissem bastante, sendo sintetizada na máxima: “bella gerant alii, tu felix Austria, nube (‘que os outros [países] guerreiem [enquanto] tu, feliz Áustria, concluis casamentos’)” MENK (2017, op. cit., p. 21).

Apesar do rigor protocolar e do esmero da sua educação, teve um bom convívio familiar, pois seu pai, o Imperador, homem culto e pontual cumpridor de seus deveres, dentro do âmbito familiar também era uma pessoa alegre e jovial, que gostava muito dos filhos e a ele se dedicava, brincando com eles. Com Leopoldina, compartilhava grande interesse nas ciências naturais e em especial, na geologia e mineralogia.

Em relação ao convívio materno, Leopoldina ficou órfã durante a infância (MENK, 2017, op. cit., p. 23), passando a ser educada por sua madrasta, Maria Ludovica de Habsburgo-d’Este, a terceira esposa de Francisco I, a partir dos oito anos. Houve entre elas uma profunda afeição, a ponto de a princesa tratá-la por querida mãe. Maria Ludovica adotou os filhos de Francisco I como os seus e, muito culta, dedicou-se a estimular a primorosa educação de seus enteados, inspirando em Leopoldina o gosto pela leitura de Goethe, o príncipe dos poetas alemães. Goethe conheceu a jovem Imperatriz em Karlsbad (hoje Karlovy Vary), cidade conhecida pelos banhos termais e muito popular na alta sociedade, e se tornou um dos seus grandes admiradores, não só pela sua beleza, mas também pela sua inteligência e sensibilidade artística. Não é surpreendente que Maria Ludovica teve grande influência na personalidade da Leopoldina que conhecemos mais tarde, no Brasil.

Fig. 2 – Imperatriz Consorte Maria Ludovica (Maria Luisa, para alguns autores), terceira esposa do Imperador Francisco I, da Áustria (fonte: Wikipedia)

À medida que ia crescendo, a Arquiduquesa Leopoldina foi mostrando seu pendor pela botânica, geologia e arte, gostando das pinturas apresentadas nos salões do Palácio de Schoenbrunn chamados de Bergl, onde havia uma visão fantasiosa de paisagem tropical, inspirada em uma série de tapeçarias encomendadas por Luiz XIV com paisagens brasileiras.

Sua vida familiar, entretanto, não chegou a ser tranquila porque conviveu com a meteórica ascensão e queda de Napoleão Bonaparte, cuja ação foi solapando o império austríaco e chegou a provocar a retirada da família de Viena para Budapeste, na Hungria, (parte dos territórios da coroa dos Habsburgo) enquanto o Imperador negociava o acordo de paz, o qual, além de resultar na perda de territórios, levou ao casamento da princesa Maria Luisa, irmã mais velha de Leopoldina, com o Imperador francês. Este casamento por convenciência foi um grande choque para Leopoldina, e também para sua madrastra Maria Ludovica, ambas muito próximas de Maria Luisa, apesar da tradição dos casamentos políticos da família. Casar com o “grande Satanás” da Europa não era fácil de assimilar. Maria Luisa, porém,  supostamente, não foi imune à atração que a personalidade de Napoleão exercia para seus admiradores.

Apesar disso, a proximidade existente entre as duas irmãs prosseguiu por meio de uma intensa correspondência entre elas, durando até o fim da vida de Leopoldina.

Após a primeira derrota de Napoleão, haveria grandes mudanças na vida da Arquiduquesa Leopoldina, causadas por um evento grandioso que ocorreria na cidade onde ela nascera – Viena.

 

CASAMENTO

Meses depois da vitória sobre Napoleão, com entrada das forças da 6ª coalizão em Paris, em abril de 1814 (BOQUEHO, 2021[iv]), e seu consequente envio para a Ilha de Elba, houve um evento importantíssimo para a época, o Congresso de Viena, ocorrido entre novembro daquele ano a junho de 1815 (PORTUGAL, 2020[v]), no qual boa parte das famílias reais destronadas por ele tiveram a oportunidade de reaver seus domínios, lutar contra os ventos de mudança do liberalismo e redesenhar o mapa da Europa.

Nesse complexo xadrez geopolítico, a Inglaterra, como grande vencedora, teria seu protagonismo, mas a França, como derrotada, tinha o interesse de minimizar as suas perdas, enviando seu mais experiente negociador, o príncipe Charles Maurice de Talleyrand-Périgord, a Áustria, anfitriã, representada pelo príncipe Klemens von Metternich, tinha interesse em reaver seus territórios perdidos, e Portugal, por ter a sua monarquia sediada na América, buscava evitar perdas, por estar fora do seu território., Quase tutelado pelo Reino Unido, Portugal nem ia sentar na mesa de negociação onde não somente se deliberavam as novas fronteiras da Europa, mas também se distribuíam parte das colônias em ultra-mar, e Dom João, exilado no Brasil, tinha o maior interesse na fronteira norte, que fazia fronteiras com as Guianas.

Por uma inteligente aproximação do Embaixador português, o Conde de Marialva, com Talleyrand, Portugal conseguiu salvaguardar seus interesses em Viena. Entre outros, tomou a medida da criação do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, oficializada, meses mais tarde, por D. João VI, com vistas a aumentar o poder de negociação da representação portuguesa, como sugestão do príncipe Talleyrand (GOMES, 2014, pos. 2995[vi]), que até então via os negociadores lusos serem tratados de forma humilhante e que também buscava diminuir sua desvantagem perante as quatro protagonistas vencedoras (Inglaterra, Rússia, Áustria e Prússia). Com essa sugestão às demais cortes europeias, o negociador francês argumentava criar um obstáculo à avassaladora onda republicana que devorava a América àquela época e que poderia se estender à Europa.

Tal manobra diplomática, além de fixar como limite entre o Brasil e a França (Guiana) o Rio Oiapoque, conforme o interesse dos negociadores luso-brasileiros, teve outro desdobramento importante, aproximando as coroas austríaca e portuguesa, que abriria caminho para o casamento da Arquiduquesa Leopoldina, em 1817.

Essa aproximação diminuía a influência britânica sobre o Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, ajudando também a fortalecer a presença do regime monárquico na América.

Coube ao embaixador português em Viena, o Marquês de Marialva, pedir a mão da filha do Imperador Francisco I, da Áustria, para o príncipe herdeiro do trono luso-brasileiro, D. Pedro. Ele o fez com um evento majestoso em Viena, em fevereiro de 1817, resultando no suntuoso casamento por procuração em maio do mesmo ano. Tão suntuoso foi o evento que durante anos, em Viena ainda se falava de um “casamento brasileiro” quando alguém organizava uma festa especialmente opulenta.

Antes de viajar ao encontro de seu marido, a princesa leu tudo o que lhe chegou sobre o Brasil, encantando-se com a possibilidade de estudar as rochas brasileiras, famosas fontes de riquezas que sustentavam a metrópole portuguesa (GOMES, 2015, op. cit., p. 120).

Oficialmente casada, e após um suntuoso baile, no qual chegou a haver até música especialmente composta pelo mestre Joseph Wide, As Danças para a Festa do Baile Brasileiro (MENK, 2017, op. cit., p. 36), em comemoração ao casamento, em Viena, a Princesa Leopoldina seguiu, em junho de 1817, de Viena para o Rio de Janeiro, em uma viagem que durou 5 meses, inicialmente por terra, com uma primeira escala em Livorno, na Itália, onde o príncipe von Metternich, que inicialmente a acompanhava, entregou-a ao seu colega português, o Marquês de Castelo-Melhor, a fim de embarcar no navio lusitano D. João VI, que seguiria para o Brasil.

Por mar, fez escalas em Lisboa, Portugal, e em Funchal, na Ilha da Madeira, antes de chegarem ao Brasil. Foi a primeira vez que ela viu o mar.

Ao viajar para o Rio de Janeiro, a princesa Leopoldina levou uma bagagem considerável – 42 caixas do tamanho de um homem, com seu enxoval, sua biblioteca, suas coleções de ciências naturais e seus presentes de casamento (GOMES, 2015, op. cit., p. 119). Ela, por ser uma princesa, não viajou sozinha, trazendo consigo um séquito de 32 pessoas para apoio pessoal, dentre elas, sua camareira-mor, a Condessa von Kuenburg; além disso, a maior expedição científica que já havia visitado o Brasil veio com ela.

D. Pedro conheceu a esposa em novembro de 1817, quando a nau D. João VI chegou ao Rio de Janeiro e ele, com sua família, foram receber a Arquiduquesa que vinha da Áustria ao seu encontro.

Em sua chegada, com toda a pompa com que foi recebida, a Arquiduquesa se encantou com a natureza e com os que a receberam, escrevendo ao pai, em carta: “Todos são anjos de bondade…  Especialmente o meu querido Pedro, que além de tudo é muito culto” (GOMES, 2015, op. cit., p. 121).

A partir do seu desembarque, ela mostraria a toda a nação que a acolhera o seu grande valor.

 

UMA FIGURA DE INESTIMÁVEL VALOR

Seu legado à ciência e arte para o Brasil veio com ela – a expedição artístico-científica que a acompanhou. Nessa expedição destacavam-se Rochus Schûch, mineralogista e metalurgista (que havia sido professor da Arquiduquesa), o médico e mineralogista Johann Baptist Emanuel Pohl, zoólogos Johan Baptiste Von Spix e Johann Natterer; os botânicos Karl Friedrich Philipp von Martius, Johann Sebastian Mikan e o pintor Thomas Ender (MENK, 2022[vii]).

Essa expedição, com o apoio de guias, tropeiros, escravos e índios, partiu do Rio de Janeiro, passando por São Paulo, Minas (via Rio São Francisco), Pernambuco, Piauí, Maranhão até chegar a Belém (Pará), onde se dividiram para explorar os maiores rios da Amazônia e se reencontraram um ano depois, retornando à Europa em 1820. Esse grupo percorreu mais de 10.000 km e coletou diversos exemplares da fauna e flora e material etnográfico, tornando-se uma das grandes expedições científicas da era moderna.

Von Martius escreveu, com base no material colhido, o livro Flora Brasiliensis, publicado entre 1840 e 1906, descrevendo mais de 20.000 espécies, das quais cerca de 25% eram desconhecidas pela ciência da época.

Spix e von Martius descreveram sua aventura no livro Viagem Pelo Brasil nos anos de 1817 a 1820, onde descrevem a aventura da expedição, apresentando esboços da natureza e sociedade da época, tendo como ilustração diversas aquarelas feitas por Ender. Esse livro, em três tomos (editados pela primeira vez entre 1823 e 1831), foi um sucesso na Europa, sendo também publicado no Brasil, pela primeira, vez em 1938, pelo Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB).

Pohl elaborou um diário sobre a expedição, publicou a Plantarum Brasiliae Icones entre 1827 e 1829 e, após levar à Europa o material coletado, que, em 1831, foi instalado no museu brasileiro em Viena, o Brasilianum, pelo qual se tornou responsável (KAISER, 2020[viii]).

Schüch pesquisou minerais em Minas Gerais, enviando depois uma extensa coleção de plantas para exposição no Museu de História Natural de Viena, tornou-se bibliotecário no Rio de Janeiro e com uma suíça, Josephina Roth, que conhecera em uma colônia em Nova Friburgo. Juntamente com a princesa, expôs no palácio uma pequena coleção de história natural, que se tornou base do acervo do Museu Nacional (WIKIFOX, 2021[ix]). Posteriormente foi membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, professor de D. Pedro II (WIKIPEDIA, 2019[x]) e pai de Guilherme Schüch, Barão de Capanema, responsável pela instalação da primeira linha telegráfica no Brasil (INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DE SANTOS, 2022[xi]), ligando o Palácio Imperial da Quinta da Boa Vista ao Quartel-General do Exército, no Campo de Santanna, no Rio de Janeiro, com pouco mais de 4 km de extensão, em 1852 (BIBLIOTECA NACIONAL, 2020[xii]).

Fig. 3 – Aquarela de Thomas Ender (Fonte: ITAÚ CULTURAL, 2022[xiii])

Até hoje o mais desconhecido dos viajantes, mas talvez o mais importante, foi Johann Natterer. Filho de um caçador e taxidermista a serviço dos Habsburgos no Tirol, ficou no Brasil até 1835, passando os seus últimos anos em Barcelos, então capital da Província do Amazonas. Mandou mais de 150.000 objetos para Viena, entre plantas vivas, sementes, minerais, pássaros e mamíferos tão preparados por ele, apesar de circunstâncias muitas vezes adversas (ataques de formigas, chuvas torrenciais, afecção por doenças tropicais) que se mantém intactos até hoje no Museu de História Natural em Viena. Foi chamado com admiração pelos seus contemporâneos, o “Príncipe entre os Colecionadores” (SCHMUTZER, 2007)[i].

Natterer foi crescendo como autodidata na antropologia. A sua coleção, de mais de 2500 peças negociadas com índios da Região Amazônica, hoje no World Museum Vienna, é a mais importante no mundo, do início do século XIX. Cada peça não somente é descrita nas suas características físicas, mas também sabemos, pelas suas anotações, da procedência geográfica e quanto foi pago por ela.

Natterer deixou também glossários (vocabulário) de mais de 70 línguas indígenas, hoje na Suíça.

Tão importantes foram as suas remessas que os vienenses as aguardavam ansiosos, primeiramente expostos no Castelo do Belvedere, mais tarde, o Imperador abriu um Museu “Brasileiro” especialmente para elas que fechou suas portas após a morte de Francisco I.

Além de colecionar minerais, animais e plantas para pesquisa e exposição, atendendo a um pedido da Princesa Leopoldina, seu sogro, D. João VI criou o Museu Real, em junho de 1818 (TAPIOCA NETO, 2020[ii]). Boa parte do acervo existente hoje no Museu Nacional é fruto do sistema de trocas com diversos museus europeus implantado por ela (AMBIEL, 2014, p. 74[iii]).

A primeira filha do casal nasceu em 1919, Maria da Glória, que mais tarde, seria a rainha de Portugal, D. Maria II. Eles teriam ainda mais seis filhos, um por ano, dentre eles, João Carlos, que morreria em 1821, numa fuga para a Fazenda Real de Santa Cruz, devido à ameaça das tropas portuguesas em reação ao Fico (GOMES, 2015, p. 123), e o segundo imperador, Pedro de Alcântara, nascido em 1825.

No campo político, entretanto, sua contribuição vai além do apoio à ciência e à arte no Brasil.

Por volta de 1821, trabalhando em conjunto com José Bonifácio de Andrada e Silva, a princesa vai se distanciando das ideias conservadoras da corte de Viena, que trazia consigo, e vai assumindo uma postura mais liberal, a favor da causa brasileira, apoiando o marido a ficar no Brasil. Em dezembro de 1821, entra em contato com grupos de patriotas brasileiros, por meio do Frei Francisco de Santa Thereza de Jesus Sampaio, grupos que passaram a apoiar a independência do Brasil. Antes de seu marido, ela percebeu o risco de esfacelamento do Brasil, caso seguissem as decisões das Cortes de Lisboa (MENK, 2017, op. cit., p.73). A perda do filho primogênito, ocorrida em fevereiro de 1822, precipitou a ruptura entre D. Pedro e as Cortes.

Por sua influência, José Bonifácio voltou atrás e aceitou o secretariado em 1822, apesar da desconfiança inicial que tinha em relação a D. Pedro (GOMES, 2015, op. cit., p. 125; MENK, 2017, op. cit., p. 73).

Inicialmente, D. Pedro, José Bonifácio, D. Leopoldina e D. João VI defendiam a autonomia administrativa do Brasil, ainda como Reino Unido, no mesmo nível de Portugal, considerando-o a parte mais valiosa do reino, entretanto a radicalização das Cortes acabou por precipitar o processo de independência (MENK, 2017, op. cit., p. 73-74; GOMES, 2015, op. cit., p. 28-29).

Assumia a Regência durante as diversas viagens de seu marido, no transcorrer do processo de independência, sendo a primeira mulher a assumir uma posição.

A declaração de independência foi escrita por José Bonifácio, assinada por Leopoldina na sua função de regente e proclamada, dias depois, em São Paulo, às margens do Ipiranga, por D. Pedro (GOMES, 2015, op. cit., p 125-126).

A carta enviada por ela a D. Pedro, então em S. Paulo, junto com missivas de José Bonifácio e do Cônsul Geral da Inglaterra no Brasil mostraram a D. Pedro que havia, em setembro de 1822, duas alternativas – tornar-se prisioneiro das Cortes ou ser o rei ou imperador do Brasil, como ela mesma manifestou (MENK, 2017, op. cit., p. 81):

As cortes portuguesas ordenam a vossa partida imediatamente, ameaçam-vos e humilham-vos. O conselho do estado aconselha-vos para ficar.

Meu coração de mulher e de esposa prevê desgraças, se partirmos agora para Lisboa. (…)

O Brasil será em vossas mãos um grande país. O Brasil vos quer para seu monarca. Com o vosso apoio ou sem o vosso apoio ele fará a sua separação. O pomo está maduro, colhei-o já, senão apodrece. Ainda é tempo de ouvirdes o conselho de um sábio que conheceu todas as cortes da Europa…

Em 1º de dezembro de 1822, D. Pedro e D. Leopoldina foram coroados como primeiros Imperadores do Brasil, na Igreja de N. Sra. do Monte do Carmo, a Catedral Velha do Rio de Janeiro. Foi a primeira mulher a governar o Brasil independente, na ausência do Imperador (TAPIOCA NETO, 2017[iv]).

Fig. 4 – Imperatriz Leopoldina presidindo reunião do Conselho de Estado, por Georgina de Albuquerque (Fonte: TAPIOCA NETO, 2017, op. cit.)

Além disso, a Imperatriz também enviou cartas a diversos países, inclusive ao pai e ao sogro, em ação diplomática, para que reconhecessem a independência do Brasil.

Com o passar dos anos, as noites em que ela e o marido tocavam música  juntos felizes foram ficando para trás. Sua vida conjugal tornou-se infeliz, enfrentou problemas financeiros, causados em parte por sua atitude caridosa de buscar atender aos seus súditos mais desvalidos, e teve sua saúde bastante abalada por ter engravidado nove vezes nos nove anos que viveu no Brasil e pela depressão. Faleceu com menos de trinta anos, em dezembro de 1826, pouco depois de perder um filho, em sua nona gravidez (GOMES, 2015, op. cit., p. 129).

Após sua morte, devido ao amor e gratidão que granjeara de seus súditos, foi aclamada Anjo Tutelar do Império e ainda levou a Câmara dos Deputados a assumir a dívida que deixara em vida (MENK, 2017, op. cit., p. 127).

 

CONCLUSÃO

Mais que simplesmente a esposa do primeiro Imperador do Brasil, D. Leopoldina trouxe com ela ciência, por meio uma expedição científica bastante profícua, colaborando pessoalmente para os resultados obtidos.

Sua cooperação não se limitou ao campo cultural e científico, incentivando e apoiando politicamente seu marido no processo de independência do Brasil.

Sua atitude firme e caridosa dignificou o trono que ocupara por pouco tempo, mas o suficiente para cativar seus súditos das mais diversas classes sociais, chegando a merecer a aclamação como Anjo Tutelar do Império.

Fig. 4 – Arquiduquesa Leopoldina, retrato de Josef Kreuzinger, de 1815 (Fonte: Wikipedia)

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

[1] GOMES, Laurentino. 1822: Como um homem sábio, uma princesa triste e um escocês louco por dinheiro ajudaram dom Pedro a criar o Brasil – um país que tinha tudo para dar errado. São Paulo: Globo, 2015.

[1i] WIKIPEDIA. Francisco I da Áustria. [s. l.], 2022. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Francisco_I _da%C3% 81ustria. Acesso em: 08 mar. 2022.

1] MENK, J. T. M. D. Leopoldina, Imperatriz e Maria do Brasil: obra comemorativa dos 200 anos da vinda de D. Leopoldina para o Brasil. Brasília: Câmara dos Deputados, 2017.

1] BOQUEHO, Vincent. France – Les Guerres de L’Empire. Paris, 2021. Disponível em: https://www. herodote.net/Les_guerres_de_l_Empire-synthese-2952-429.php. Acesso em: 10 mar. 2022.

1] PORTUGAL. Congresso de Viena. Lisboa: Ministério dos Negócios Estrangeiros, 2020. Disponível em: https://portaldiplomatico.mne.gov.pt/relacoesbilaterais/paises-geral/congresso-de-viena. Acesso em: 09 mar. 2022.

1] GOMES, Laurentino. 1808: Como uma rainha louca, um príncipe medroso e uma corte corrupta enganaram Napoleão e mudaram a História de Portugal e do Brasil. São Paulo: Globo, 2014.

1]MENK, J. T. M. Dona Leopoldina e a Expedição Científica Austríaca de 1817 a 1820. Brasília: Câmara dos Deputados, 2022. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/comunicacao/camara-noticias/camara-destaca/200-anos-de-independencia-do-brasil/imperatriz-leopoldina/dona-leopoldina-e-a-expedicao-cientifica-austriaca-de-1817-a-1820. Acesso em: 10 mar. 2022.

1] KAISER, Gloria. Um Casamento e uma Expedição Científica. Rio de Janeiro: Ciência Hoje das Crianças, 2020. Disponível em: http://chc.org.br/artigo/um-casamento-e-uma-expedicao-cientifica/. Acesso em:11 mar. 2022.

1] WIKIFOX. Rochus Schüch. [s. l.], 2021. Disponível em: https://www.wikifox.org/pt/wiki/Rochus_Sch %C3%BCch. Acesso em: 12 mar. 2022.

1] WIKIPEDIA. Rochus Schüch. [s. l.], 2019. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Rochus_Sch% C3%BCch. Acesso em10 mar. 2022.

1] INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DE SANTOS. Guilherme Schüch de Capanema. Santos: IHGS, 2022. Disponível em: Acesso em: 11 mar. 2022.

1] BIBLIOTECA NACIONAL [BN]. Há 168 anos, era inaugurada a primeira linha de telégrafo do Brasil. Rio de Janeiro: BN, https://www.bn.gov.br/acontece/noticias/2020/05/ha-168-anos-era-inaugurada-primeira-linha-telegrafo. Acesso em: 12 mar. 2022.

1] ENDER, Thomas. BEI Paulo Moreira auf dem Wege nach Mandioca. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2022. Disponível em: http://enciclopedia.itaucultural. org.br/obra59471/bei-paulo-moreira-auf-dem-wege-nach-mandioca. Acesso em: 13 de março de 2022.

1] SCHMUTZER, Kurt. Der Liebe zur Naturgeschichte halber: Johann Natterers Reisen in Brasilien 1817-1835. 2007. 293 f. Tese (Doutorado) – Curso de Filosofia, Universität Wien, Viena, 2007.

1] TAPIOCA NETO, R. D. A Imperatriz Exploradora: Dona Leopoldina e o seu apoio à pesquisa científica no Brasil! [s. l.]: Rainhas Trágicas, 2020. Disponível em: https://rainhastragicas.com/2020/08/29/a-imperatriz-exploradora-dona-leopoldina-e-o-seu-apoio-a-pesquisa-cientifica-no-brasil/. Acesso em 12 mar. 2022.

1] AMBIEL, V. C. A Missão Leopoldina: Primeira Expedição da Missão Científica Austríaca ao Brasil no Século XIX. Revista do IHGSP. São Paulo: IHGSP, 2014. V. XCVIII. Disponível em: http://ihgsp.org.br/revista-ihgsp-vol-98/. Acesso em: 11 mar. 2022.

1] TAPIOCA NETO, R. D. Maria Leopoldina da Áustria: a primeira mulher a governar o Brasil Independente. Rainhas Trágicas, 2017. Disponível em: https://rainhastragicas.com/2017/09/02/maria-leopoldina-da-austria-a-primeira-mulher-a-governar-o-brasil-independente/. Acesso em: 11 mar. 2022.

 

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