A Força Aérea na Segunda Guerra Mundial

 

 

Brig Veterano da FAB Paulo Érico Santos de Oliveira

Cel Veterano da FAB  Jacintho Mendes Lopes Júnior

O Ministério do Ar

“Quando há anos passados, o extraordinário senso de organização dos ingleses criou o Air Ministry, de todos os países surgiram críticas muitas e poucos elogios. O tempo, porém, veio provar que o tão decantado bom senso inglês era quem tinha razão, porque ligeiras modificações introduzidas nessa organização inicial deram resultado muitíssimo superior ao esperado pelo mais sadio otimismo”.

Maj. Lysias Augusto Rodrigues

O então Maj Lysias Augusto Rodrigues, da Aviação Militar (do Exército), escreveu, em 1928, em O Jornal, do Rio de Janeiro, dois artigos, num dos quais o texto destacado acima mostra a sua defesa pela criação do Ministério do Ar, que integraria as aviações do Exército, da Marinha, a civil, e a infraestrutura aeroportuária em uma só organização, otimizando esforços e custos, para a expansão da ainda insipiente aviação brasileira àquela época.

Suas ideias começaram a ganhar força entre 1934 e 1935, época em que foram enviados para estágio oficiais da Aviação Naval e da Aviação Militar, dos quais o Cap Aurélio de Lyra Tavares que, após seu retorno, apresentou adaptações das ideias vistas para o caso brasileiro, as quais foram recomendadas pelo então Ministro da Guerra, Gen Pedro Aurélio de Goes Monteiro (LAVENÈRE-WANDERLEY, 1975, p. 207-211[i]).

A expressão Ministério da Aeronáutica surgiu em um estudo publicado no Boletim do Clube Naval nº 84, do 4º trimestre de 1935, e em um artigo publicado na Revista Asas, ambos de autoria do Capitão-de-Corveta Aviador Naval Luiz Leal Netto dos Reys, conforme ainda mostra o Ten Brig Lavenère-Wanderley (1975, op. cit. p. 213).

A intentona comunista, em novembro de 1935, que envolveu tragicamente o Campo dos Afonsos arrefeceu bastante a campanha pelo Ministério do Ar, entretanto, a aproximação da II Guerra Mundial, por via marítima, faria mudar esse contexto, levando à criação do Ministério da Aeronáutica, em 1941, intensificando a preparação enfrentar a ameaça de guerra que se concretizaria no ano seguinte, quando o Brasil declarou guerra ao Eixo (LAVENÈRE-WANDERLEY, op. cit. p. 209; FREITAS, 2019, p. 99[ii]).

Fig. 1 – Criação do Ministério da Aeronáutica – Ao Centro, o Ministro Salgado Filho

A preparação para enfrentar a ameaça representada pelos submarinos alemães e italianos aos navios mercantes brasileiros demandou não apenas equipamentos (aeronaves e os meios para operação e manutenção destas), mas também a preparação de toda a equipagem envolvida nas operações de patrulhamento do litoral brasileiro.

 

A Capacitação

Embora a Marinha já realizasse missões de Patrulha Marítima desde 1931, com a 1ª Flotilha de Bombardeio e Patrulha (SCHEER, 2020, p. 32-33[iii]), portanto 10 anos antes da criação do Ministério da Aeronáutica, as características do guerra que chegava ao Brasil exigiam equipamentos mais sofisticados (aeronaves e armamento), maior conhecimento das tripulações incorporadas e na quantidade necessária ao recém-criado Ministério.

Esse treinamento começou informalmente, na prática, com os instrutores americanos voando e treinando as tripulações brasileiras durante as missões de Patrulha Marítima.

Com a declaração de Guerra ao Eixo, o Brasil, beneficiado pelo Lend and Lease Act recebeu aviões A-28 Hudson, PV-1 Ventura, aviões anfíbios PBY-5A Catalina e hidroaviões PBY-5 Catalina para o patrulhamento do litoral.

Entretanto, o aumento do afundamento de navios brasileiros demandou que as ações se pautassem em maior profissionalismo, levando à criação da United States – Brazil Air Trainning Unit – USBATU, em 1943, inicialmente em Natal – RN, sendo um curso ministrado por instrutores da Marinha Americana, no qual eram voados os PV-1 Ventura.

Ao passar para o Rio de Janeiro, o treinamento da USBATU passou a realizar o treinamento terrestre do PBY-5 Catalina no Galeão e a instrução de voo dessa aeronave em Santa Cruz.

Foram formadas três turmas, com vistas a dotar os Esquadrões de Patrulha (SHEER, 2020, op. cit., p. 34) das equipagens necessárias para cumprir as missões solicitadas pelo Comando do Atlântico Sul, em atendimento a um acordo de cooperação entre o Brasil e os Estados Unidos (LAVENÈRE-WANDERLEY, 1975, op. cit. p. 260). Buscava-se aumentar progressivamente o patrulhamento do Atlântico Sul por aeronaves brasileiras, liberando as americanas para emprego nos outros Teatros de Operações, onde eram demandadas.

Era também necessário preparar as equipagens que combateriam nos céus da Europa, sendo enviado o pessoal-chave do 1º Grupo de Aviação de Caça para Orlando, nos Estados Unidos, em janeiro de 1944, para treinamento na Escola de Tática Aérea Aplicada, da Aviação do Exército Americano, onde tiveram curso teórico e prático (na aeronave P-40 Warhawk).

Em março de 1944, esse grupo se juntou a outro, que já estava no Panamá, desde fevereiro, na Base Aérea de Aguadulce, onde continuaram voando o P-40, mas com maior ênfase no emprego tático da Unidade, sendo treinados os pilotos e equipes de manutenção.

Após o encerramento do curso no Panamá, em julho de 1944, o treinamento continuou na Base Aérea de Suffolk, onde voariam a aeronave que empregariam na Itália – o P-47 Thunderbolt. Enquanto os pilotos voavam, alguns oficiais e graduados especialistas fizeram um estágio na Republic Aviation Company, fabricante do P-47, em Farmingdale, onde puderam observar a montagem do avião em detalhes (SCHEER, 2020, op.cit, p. 43-45). Após a realização desse curso, no final de agosto de 1944, as equipagens do 1º Grupo de Aviação de Caça se sentiam no mesmo nível das dos países mais avançados, aptas a enfrentar um inimigo bastante experiente.

Para comporem a 1ª Esquadrilha de Ligação e Observação (ELO), o Cap Belloc selecionou dentre os voluntários, cinco pilotos da ativa e da reserva, que fizeram seu treinamento no Campo dos Afonsos, nas aeronaves PT-19 Cornell, considerados inadequados para a missão que realizariam em combate. Apesar disso, o sucesso da regulação de tiro, realizado ao final do curso, com a presença do Presidente da República, Getúlio Vargas, a Unidade se mostrou em condições de enfrentar o ambiente de conflito. Em setembro de 1944, a 1º ELO estava pronta para seguir para a Europa.

Os dois Fronts

No contexto da entrada do Brasil na guerra, havia a ameaça da expansão do Eixo pelo norte da África, no sentido de cruzar o Atlântico Sul, rompendo as linhas marítimas de suprimentos e pondo em risco o acesso aliado ao Canal do Panamá (TERROSO, 2019, op. cit., p. 101).

Esse contexto levou a FAB a enfrentar a II Guerra Mundial em dois ambientes operacionais bastante distintos e com missões diferentes – no litoral brasileiro e no Atlântico Sul, estariam dedicadas ao patrulhamento marítimo, protegendo comboios e combatendo submarinos e navios de guerra inimigos, com vistas à preservação das linhas de suprimentos para o esforço de guerra aliado, enviando, posteriormente à Europa, Itália, duas Unidades – o 1º Grupo de Caça e a 1ª Esquadrilha de Ligação e Observação.

A Campanha do Atlântico Sul

Com a entrada dos Estados Unidos na II Guerra Mundial, após o ataque a Pearl Harbour, a guerra submarina no Atlântico mudou bastante, começando a serem atacados navios mercantes na costa oriental americana, inclusive mais próximo da costa mexicana (LAVENÈRE-WANDERLEY, 1975, op. cit., p. 253-254).

Tal situação levou à III Reunião de Consulta dos Ministros de Relações Exteriores das Repúblicas Americanas, no Rio de Janeiro, em janeiro de 1942, quando o Ministro Oswaldo Aranha, informou o rompimento de relações diplomáticas do Brasil com as Potências do Eixo.

Essa atitude levou ao torpedeamento de navios mercantes brasileiros a partir de fevereiro de 1942, sendo afundados dois nesse mesmo mês. A partir de maio desse mesmo ano, o navio mercante Comandante Lyra foi atacado em águas brasileiras, a nordeste de Fernando de Noronha.

Essa intensificação da ameaça submarina à costa brasileira aumentou a pressão popular, levando o Presidente Getúlio Vargas a declarar guerra ao Eixo no final de agosto de 1942.

Conforme Freitas (2019, op. cit., p. 102), a campanha antissubmarino teve três momentos distintos, em função dos recursos disponíveis.

No primeiro momento, foram empregados todos os meios disponíveis, que abrangiam aeronaves de treinamento e pequenas aeronaves de transporte, cuja estratégia seria afastar as belonaves inimigas pela presença de vigilância aérea.

Foram construídas bases em Belém, Fortaleza, Natal, Recife e Salvador, a fim de abrigar Unidades Aéreas brasileiras e americanas, e, com a chegada de equipamento americano para as Unidades brasileiras, começou o treinamento e o segundo momento.

O segundo momento se caracterizou pelo emprego de aeronaves especializadas para o patrulhamento marítimo, com tripulações mistas, onde os instrutores eram americanos e os pilotos brasileiros passaram a ser treinados para as missões de patrulha marítima dentro de doutrinas e com equipamentos mais modernos.

É nesse momento que uma tripulação mista, operando um B-25 Mitchell, constituída pelos Capitães Aviadores Affonso Celso Parreiras Horta e Oswaldo Pamplona Pinto, tendo como instrutor o Tenente Henry B. Schwane, da USAAF (United States Army Air Force – Força Aérea do Exército Americano[1]), surpreenderam o submarino italiano Barbarigo, navegando na superfície, entre o Atol das Rocas e Fernando de Noronha, apenas quatro dias depois que essa belonave havia atacado o navio Comandante Lyra, na mesma região. Avistando o avião, os marinheiros do submarino correram para suas armas e abriram fogo contra a aeronave. Como o Brasil ainda não havia declarado guerra ao Eixo, as aeronaves brasileiras apenas podiam engajar essas belonaves se fossem por elas atacadas. Assim, diante da reação do submarino, lançaram todas as suas bombas de 100lb (armamento inadequado para esse tipo de ataque) sobre ele, sem, no entanto, afundá-lo. Esse primeiro ataque foi o batismo de fogo da Aviação de Patrulha da FAB na II Guerra Mundial, passando a ser celebrado como o Dia da Aviação de Patrulha (FREITAS, 2020, p. 21[iv]).

O terceiro momento, após a declaração de guerra ao Eixo, com a chegada de equipamentos apropriados (aeronaves e armamento) e as Unidades Aéreas com pessoal capacitado, por volta do segundo semestre de 1943, mostrou a Aviação de Patrulha em um nível mais elevado, semelhante ao da Marinha Americana, resultando em diversos ataques com êxito a submarinos:

Em 5 de abril de 1943, o A-28 Hudson decolou de Salvador, pilotado pelo Ten Ivo Gastaldoni, para acompanhar um comboio na rota Rio – Trinidad, quando encontrou um submarino emergindo e o atacou, afundando-o. Não foram recolhidos sobreviventes, inviabilizando a identificação da belonave.

Em 31 de julho de 1943, o submarino alemão U-199 foi detectado e atacado por três aeronaves: um PBM Mariner americano, pilotado pelo Ten Smith, que lançou bombas de profundidade e atacou com metralhadoras, causando danos; o A-28 Hudson brasileiro, pilotado pelo Ten Schnoor, lançou duas bombas MK-17 e fez ataque com metralhadoras, atingindo os operadores das armas de convés do submarino; e o PBY Catalina, pilotado pelo Ten Torres que abandonou um padrão de busca que executava para realizar seu ataque, o qual foi bem-sucedido, com quatro bombas lançadas sobre o alvo, resultando no afundamento da belonave e no posterior resgate de sua tripulação pela Marinha Americana, resultando em 16 sobreviventes que se tornaram prisioneiros de guerra em Recife.

Fig. 2 – PBY Catqlina em ataque ao U-199 (Fonte: INCAER)

Em 30 de outubro de 1943, o PBY-A Catalina pilotado pelo Cap Taunay e pelo Ten Schnoor escoltava outro comboio, também na rota Rio – Trinidad, quando avistou o U-170, um submarino alemão de 1545T. O Catalina fez o ataque com 2 bombas de profundidade que caíram antes do alvo, recebendo forte reação antiaérea do armamento de convés do alvo, que resultaram em danos na quilha vertical e no motor direito, ferindo os Sargentos Halley Passos e Umberto Mirabelli por estilhaços e forçando a aeronave a retornar monomotor ao Galeão. Tal situação não permitiu determinar se a belonave foi afundada por falta de testemunhas, fotografias ou sobreviventes.

Freitas (2019, op. cit., p. 103) apresenta o resultado informado pelo Brig Gastaldoni, em seu livro Memórias de um Piloto de Patrulha, que dá um total de 11 submarinos inimigos afundados em águas brasileiras em 1943.

Tais esforços mereceram, por parte do Vice-Almirante W. R. Munroe, Comandante da Força do Atlântico Sul, o seguinte trecho, em agradecimento pelos serviços prestados pelas tripulações da FAB, ao final da guerra (LAVENÈRE-WANDERLEY, 1975, op. cit., p. 273):

“Não há dúvida de que as operações da Força Aérea Brasileira foram da maior importância e um dos fatores decisivos para a eliminação do inimigo do Atlântico Sul.”

Além da importante operação no Atlântico Sul, a FAB também operou nos céus da Itália, com duas Unidades Aéreas, que fizeram parte do esforço direto para vencer o Eixo.

A Campanha na Itália

A entrada do Brasil na guerra, ao lado dos Aliados proporcionou a modernização doutrinária e de equipamentos da FAB, permitindo que esta desempenhasse importantes missões de patrulhamento do Atlântico Sul, com resultados muito bons. A intensificação do conflito, em 1943, demandou que houvesse maior participação no esforço para derrotar o Eixo, tornando necessário que o Brasil também enviasse uma Força Expedicionária ao Teatro de Operações da Europa, cabendo à FAB o envio inicial de duas Unidades Aéreas que operaram separadas, em virtude da natureza de suas missões – o 1º Grupo de Aviação de Caça e a 1ª Esquadrilha de Ligação e Observação.

O 1º Grupo de Aviação de Caça

Em dezembro de 1943, é criado o 1º Grupo de Aviação de Caça e designado como seu primeiro Comandante o Maj Av Nero Moura, que, selecionou pessoalmente os voluntários para compor o grupo dos chamados homens-chave, que comporiam o escalão de comando da nova Unidade Aérea, incluindo pilotos e pessoal de terra. Esses homens-chave escolheram seus auxiliares.

Após o treinamento com sua Unidade no Panamá e nos Estados Unidos, seguiu do porto de Newsport, Estados Unidos, para Livorno, na Itália, região recém-conquistada pelos Aliados, aonde chegaram em 6 de outubro de 1944. Ali, o 1º Grupo de Aviação de Caça se juntaria ao 345th, 346th e ao 347th Fighter Squadrons, para comporem o 350th Fighter Group (350º Grupo de Caça), sob o comando operacional da 62 Fighter Wing, do XXII Tactical Air Command e da 12th Air Force da USAAF (United States Amy Air Force, Força Aérea do Exército Americano). A Força Aérea Americana, USAF, surgiria mais tarde, após a Guerra.

Fig. 3 – P-47 Thunderbolt e Emblema do 1º Grupo de Aviação de Caça (Fonte: INCAER)

No contexto do 350º Grupo de Caça, a missão era o apoio direto às forças terrestres amigas, a interdição do campo de batalha, impedindo que suprimentos e reforços chegassem; e a destruição de instalações industriais e militares no norte da Itália, conforme conta Lima (1980[v], p. 20).

O 1º Grupo de Aviação de Caça foi instalado na Tarquínia, a partir de onde passou operar, inicialmente compondo esquadrilhas com americanos, a fim de se adaptarem às missões.

Em 6 de novembro de 1944, o Grupo sofre sua primeira baixa – o Ten Cordeiro e Silva é abatido pela artilharia antiaérea inimiga na região de Bolonha.

A partir do dia 11 de novembro, todas as esquadrilhas em operação passaram a ser compostas apenas por brasileiros, que entre 2 e 4 de dezembro de 1944, passam a operar de Pisa, junto com o 350º Grupo de Caça. Nesse aeródromo operaram até o final da campanha.

Em uma decisiva ocasião, o 1º Grupo de Caça teve a oportunidade de apoiar a Força Expedicionária Brasileira (FEB), em 20 de fevereiro de 1945, em preparação para a Tomada de Monte Castelo, eliminando a resistência inimiga numa elevação de flanco. Essa missão mereceu o relato do Gen Mascarenhas de Moraes, Comandante da FEB, em seu livro A FEB pelo seu Comandante:

Aviões da FAB haviam arrasado a resistência germânica de Mazzancana, numa arrojada participação no combate terrestre e num exemplo inesquecível de união dos expedicionários do ar e de terra.

Considerando que, durante o inverno, as tropas aliadas avançaram com menor velocidade na direção norte da Itália, o Comando Aliado, aproveitando a chegada da primavera, decidiu realizar a Ofensiva da Primavera, demandando que todos os meios aéreos operando na Itália concentrassem seu poderio em atacar as linhas de frente alemãs entre 14 e 20 de abril de 1945. No período compreendido entre 21 e 24 de abril de 1945, em apoio à Ofensiva da Primavera, as forças aliadas empreenderam um ataque maciço contra do Eixo. O objetivo era manter todos os bloqueios do Rio Pó, negando aos alemães qualquer possibilidade de retirada organizada, e facilitar o estabelecimento de cabeças-de-Ponte dos V e VIII Exércitos ao norte do Rio.

No dia 22 de abril de 1945, o 1º Grupo de Aviação de Caça atingiu o auge de sua atividade, superando as perdas sofridas em combate até aquele dia e sem o completamento de suas equipes, com o máximo de resultados, tendo sido realizadas 11 missões com 44 saídas de aeronaves, foram destruídos ou imobilizados 97 transportes a motor, 35 veículos de tração animal, um parque de viaturas e 14 edifícios ocupados pelo inimigo; outros 17 veículos a motor, uma ponte de barca e uma ponte rodoviária foram avariados, além de terem sido atacadas outras quatro posições militares, houve também mais uma perda – o 2º Ten. Av. Marcos Eduardo Coelho de Magalhães saltou sobre território inimigo e foi feito prisioneiro pelos alemães, após ter sua aeronave abatida em território inimigo. A bravura de seus integrantes fez jus à seguinte recomendação para Citação Presidencial do Cel Ariel Nielsen, Comandante do 350º Grupo de Caça, encaminhada em maio de 1945, ao Comandante do XXII Tactical Air Command (LAVENÈRE-WANDERLEY, 1975, op. cit., p. 295-299):

1 – Proponho-vos que seja o 1º Grupo de Caça Brasileiro citado pelos relevantes feitos realizados no conflito armado contra o inimigo, no dia 22 de abril de 1945 (…)

3 – Esse grupo entrou no serviço de combate na época em que a oposição antiaérea aos caças-bombardeiros estava em seu auge. Suas perdas têm sido constantes e pesadas e têm tido poucas substituições. Como seu número cada vez diminuía, cada piloto voava mais, expondo-se com maior frequência. Em muitas ocasiões, como Comandante do Regimento, eu retive esses pilotos, quando eles queriam continuar a voar, porque eu acreditava que já haviam transposto o limite de suas possibilidades. (…)

5 – Em minha opinião, seus ataques na região de San Benedetto, no dia 22 de abril de 1945, ajudaram a abrir caminho para a cabeça de ponte estabelecida pelos Aliados, no dia seguinte, na mesma região. A fim de completar isso, o 1º Grupo de Caça Brasileiro, em seus feitos, excedeu os de todos os outros Grupos e sofreu pesadas perdas…

Esta documentação resultou na Presidential Unit Citation, condecoração concedida pelo governo norte-americano às unidades que se destacaram por extraordinário heroísmo de seus homens (VASQUEZ, 2021[vi]).

Essa data, pela sua importância na campanha da Itália e pelo seu peso para a Unidade, levando-se em consideração ainda as muitas dificuldades superadas, passou a ser comemorada como o Dia da Aviação de Caça.

Durante a ofensiva da primavera, mais precisamente entre dias 6 e 29 de abril, o 1º GAvCa realizou 5% das saídas executadas pelo XII Tactical Air Command e, no entanto, foram oficialmente atribuídos aos brasileiros 15% dos veículos destruídos, 28% das pontes destruídas, 36% dos depósitos de combustível danificados e 85% dos depósitos de munição danificados.

O 1º Grupo de Aviação de Caça continuou operando intensamente na Itália até o final das hostilidades na região, em 2 de maio de 1945.

Outra Unidade Aérea operou nos céus da Itália, que também realizou missões importantes – a 1º ELO, que apoiou a artilharia divisionária da FEB.

 

A 1ª Esquadrilha de Ligação e Observação

A 1ª Esquadrilha de Ligação e Observação era um pequeno contingente de 30 homens, Unidade Aérea criada em 20 de julho de 1944, que integrava a Artilharia Divisionária, destinada aos trabalhos de regulação de tiro de artilharia, de observação do campo de batalha e missões de ligação.

Sua constituição era de pilotos e pessoal de manutenção da FAB e os observadores aéreos eram oficiais do Exército, da Arma de Artilharia (LAVANÈRE-WANDERLEY, 1975, op.cit. p. 307).

Esse pequeno efetivo embarcou junto com o terceiro escalão da Força Expedicionária Brasileira (FEB), no Rio de Janeiro, em 22 de setembro de 1944, chegando a San Rossore, nos arredores de Pisa, onde operariam, em 28 de outubro de 1944.

Essa Unidade operou onze aeronaves Piper L-4H (conhecidos pelos pilotos como teco-tecos), versão militar do L-4A/B, que na aviação civil era utilizado para turismo e pulverização, mas para a operação na II Guerra Mundial, mesmo desarmado ou apenas com granadas de mão, mostrou-se uma ferramenta muito útil para observação, embora suas limitações ao ambiente operacional aumentassem o risco das missões (GONÇALVES, 2020[vii], p. 82-83). As aeronaves foram recebidas em Pisa (San Giusto) e começaram a adaptação dos pilotos em 05 de novembro de 1944.

Analisando com olhos do futuro, a 1ª ELO era uma Unidade combinada, uma vez que seu primeiro Comandante, o Cap João Affonso Fabrício Belloc, da FAB, que fora promovido a Major durante a operação no conflito, era secundado por um oficial da Artilharia do Exército, o Cap Adhemar Gutierrez Ferreira, facilitando sobremaneira o entendimento das necessidades e das informações a serem transmitidas, operando num ambiente de camaradagem e cooperação.

Fig. 4 – L-4H da 1ª ELO e símbolo da Unidade (Fonte: INCAER)

 

Embora apoiando a Artilharia Divisionária da 1ª Divisão de Infantaria Expedicionária (1ª DIE), a 1ª ELO também auxiliava as artilharias americana e britânica, fornecendo as posições inimigas observadas.

A adaptação ao cenário e aos meios de operação foi mais delicada, uma vez que o treinamento foi realizado no Campo dos Afonsos, com aeronaves PT-19 e com a doutrina francesa, enquanto a operação ocorreu com o L-4H, operando com a doutrina americana, exigindo alto grau de adaptabilidade das tripulações.

A primeira missão da Esquadrilha foi em 12 de novembro de 1944, decolando, com o Ten Leite como piloto e o Ten Mescolin como observador, de Pistoia. Tendo em vista as dificuldades impostas pela região montanhosa em que operavam, a Unidade foi deslocada para Suviana, em dezembro de 1944.

A vitória de Monte Castelo contou com o apoio valioso dos olhos da 1ª ELO, conforme o depoimento do Maj Henriques, da FEB, que voara como Observador Aéreo, em seu livro A FEB doze anos depois (GONÇALVES, 2016[viii], p. 18), comparando a presença e a ausência da observação no resultado das batalhas de Monte Castello e de Montese:

Um dos episódios notáveis da tomada de MONTE CASTELLO foi a ordem recebida pelos pilotos, diretamente do comando da AD, para saírem da altitude de segurança a fim de melhor apoiarem a nossa dura infantaria que estava “sangrando nas encostas de MONTE CASTELLO”. Essa ordem, cumprida à risca, (da altitude de 3.000 m, para a de 2.000 m) permitiu a identificação e consequente neutralização até de morteiros inimigos, não obstante a tremenda reação antiaérea dos Tedescos.

O tempo fortemente nublado e violentas correntes aéreas impediram que os aviões protegessem a tomada de MONTESE. Como consequência, tremendo bombardeio inimigo dizimou as tropas brasileiras que ocupavam a localidade.

Outro aspecto interessante foi que a observação da 1ª ELO viabilizou o resgate do Asp Canário, do 1º Grupo de Aviação de Caça, quando seu P-47 seriamente avariado foi avistado pelo observador, Ten Henriques, que viu o piloto saltando de paraquedas logo após passar o través do L-4H. A tripulação marcou o ponto onde ele aterrara e informou à Artilharia Divisionária (era ambiente amigo), tendo sido resgatado e retornado a Pisa, voltando a voar no dia seguinte.

A artilharia antiaérea inimiga que constituía uma oposição bastante forte, aumentando em muito o risco das missões, mas, pelo fato de estarem em contato com a artilharia brasileira, os alemães evitavam atacar as aeronaves da ELO na ida, a fim de não denunciarem suas posições, e tentavam o acerto durante o retorno delas (GONÇALVES, 2016, op. cit. p. 83). Apesar disso, nenhum L-4H foi abatido em combate. Houve também gelo no carburador, resultando em duas paradas totais de motor com pousos forçados sem maiores consequências, além de diversas parciais, nas quais o motor voltava a funcionar após atingir uma temperatura que permitia o derretimento do gelo.

As missões começavam no nascer do sol e o último pouso ocorria ao pôr-do-sol, necessitando, algumas vezes de sinalização do campo, com latas com material incandescente. Houve também a tentativa de se efetuar observação noturna, os resultados, as dificuldades e os riscos mostraram-se pouco compensadores (GONÇALVES, 2016, op. cit., p. 18), o ambiente montanhoso tornava as missões arriscadas, devido à nebulosidade e ao risco de formação de gelo no carburador dos motores, que poderia causar a parada deles.

A última missão de guerra da ELO foi em 29 de abril de 1945, quando a FEB tomou Fornovo di Taro e capturou toda uma divisão alemã.

A partir de 2 de maio de 1945, com o cessar das hostilidades na região, a FEB passou a desempenhar a missão de força militar de ocupação, juntamente com outras unidades aliadas, e a 1ª ELO participava dessa missão e do serviço de correio da FEB, operando do campo de Portalbera.

Nesse período, a 1ª ELO cumpriu 684 missões de guerra, das quais 400 foram regulagens de tiro para a FEB e para os exércitos americano e britânico, tendo um aproveitamento de 85% e sem perda de aeronaves em combate.

Em 20 de junho de 1945, os 10 teco-tecos seguiram em formação para Nápoles, com pernoites em Pisa e em Roma, chegando em 22 de junho de 1945. Lá, deixaram suas aeronaves para serem embarcadas para o Brasil e voltaram para Pisa, incorporando-se ao 1º Grupo de Caça, retornando à FAB, para voltarem ao Brasil.

Apesar de sua história ser pouco contada, vale a pena apresentar a apreciação dos resultados obtidos pelo próprio Comandante daqueles cujas vidas dependeram do trabalho desses valentes guerreiros dos céus, o Marechal Mascarenhas de Moraes, em seu livro A FEB pelo seu Comandante (GONÇALVES, 2016, p. 22):

Não houve mau tempo, não houve neve, tão pouco acidentes e pistas impróprias, às quais, às vezes, não podiam regressar, que arrefecessem o ânimo e a disposição dos seus componentes.

Destinados a regular o tiro das baterias, sobrevoando a zona das posições sem ultrapassar os nossos elementos, a eles se pediu, também a vigilância do campo de batalha e, em avião improprio e desarmado, penetravam a fundo no terreno inimigo, afrontando uma defesa antiaérea para a qual não estavam preparados.

Durante muito tempo e desde a nossa chegada à região do vale do RENO, eram os únicos olhos que a Divisão possuía, além do conjunto de alturas que queríamos conquistar; seu voo desassombrado obrigou continuamente o inimigo a se manter em silêncio e imóvel, receoso do tiro certeiro de nossa Artilharia, cuja ajustagem sempre conduziram com absoluta perfeição.

Por fim, o próprio Rubem Braga, então correspondente de guerra, após efetuar um voo de reconhecimento nas asas da ELO, sintetiza todo o brilhantismo dos esforços desses valentes guerreiros (GONÇALVES, 2016, op. cit., p. 22):

Obscuro e quase esquecido do noticiário dos jornais e rádios do mundo, longe dos feitos sensacionais e das proezas dramáticas, o pobre Teco-Teco (alusão ao Piper Cub da ELO), na sua vida modesta e rotineira, é ele também um instrumento de morte dos nazistas, uma preciosa máquina trabalhando todo o dia na construção da Vitória.

Assim, a jovem Força Aérea Brasileira deixou marcas indeléveis nesse período difícil da história do Brasil, graças ao esforço de todo o seu pessoal que aprendeu, evoluiu e se dedicou, para prestar ao povo brasileiro o sacrificial esforço de mantê-lo livre e soberano.

[1] A Força Aérea Americana (USAF) foi criada em 1947.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

[i] LAVENÈRE-WANDERLEY, N. F. História da Força Aérea Brasileira. Rio de Janeiro: Gráfica Brasileira, 1975. 2. ed.

[ii] FREITAS, W. T. A Força Aérea Brasileira na Segunda Guerra Mundial. Ideias em Destaque. Rio de Janeiro: Instituto Histórico-Cultural da Aeronáutica, 2019. n. 53.

[iii] SCHEER, J. R. Preparação das Unidades Aéreas da FAB que combateram na Segunda Guerra Mundial. Ideias em Destaque. Rio de Janeiro: Instituto Histórico-Cultural da Aeronáutica, 2020. n. 55.

[iv] FREITAS, W. T. Aviação de Patrulha. A Guerra chega ao Brasil: A Campanha do Atlântico Sul. Ideias em Destaque. Rio de Janeiro: Instituto Histórico-Cultural da Aeronáutica, 2020. n. 55.

[v] LIMA, R. M. Senta a Pua. 2ª ed. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1980.

[vi] VASQUEZ, V. O 22 de Abril de 1945. Rio de Janeiro, 2021. Disponível em: https://www.jambock.com. br/v5/index.php/a-historia/em-combate/22-de-abril-de-1945. Acesso em: 22 fev. 2022.

[vii] GONÇALVES, D. E. “Olho Nele!” – A 1ª ELO nos céus da Itália. Ideias em Destaque. Rio de Janeiro: Instituto Histórico-Cultural da Aeronáutica, 2020. n. 55.

[viii] GONÇALVES, D. H. “Olho Nele” Esquadrilhas de Ligação e Observação. Vigília Constante em Defesa da Pátria. Rio de Janeiro: Instituto Histórico-Cultural da Aeronáutica, 2016.

BRASIL. Comando da Aeronáutica. História Geral da Aeronáutica Brasileira. Rio de Janeiro: Instituto Histórico-Cultural da Aeronáutica, 1991. 1. ed. 3 v.

LORCH, C. A Caça Brasileira – nascida em combate. Rio de Janeiro: Action, 1993.

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