FORÇA EXPEDICIONÁRIA BRASILEIRA (FEB): A NOSSA HISTÓRIA
Cel Eng Veterano (EB) Paulo Gilmar Marques Berguenmayer
Esta breve comunicação sobre uma parte da História Militar do Brasil se reveste de honra, superação e patriotismo. Teve como base o documentário FEB – A Nossa História [1], realizado em 2005 em Recife e nos Montes Guararapes, em Pernambuco. E contou com a contribuição do Cel Eng R1 Jânio Gigolotti, por meio do Estudo de História Militar [2], editado na AMAN em 2003, quando este era Professor da Cadeira de História Militar.
Abordaremos aspectos pouco conhecidos das motivações que levaram o nosso País a combater de forma heroica nos vales e montanhas da Europa, bem como as primeiras cidades italianas libertadas até a vitória em Monte Castelo.
INTRODUÇÃO
Houve um momento na fase inicial da Segunda Guerra Mundial em que o Brasil manteve uma postura de neutralidade, isso foi decorrência de decisão tomada em outubro de 1939, pelos países das Três Américas, representados pelos seus chanceleres, em reunião no Panamá, com propósito de se manterem neutros diante dos graves acontecimentos que agitavam a Europa, mormente a invasão da Polônia pelos alemães, verificada no mês anterior, e a declaração de guerra da Grã-Bretanha e da França contra Alemanha.
A postura de neutralidade era, ao mesmo tempo, um posicionamento que não escondia um certo grau de cumplicidade do governo brasileiro com a causa do eixo, uma vez que o Estado Novo de Getúlio Vargas guardava traços de semelhança e de simpatia com o totalitarismo nazifascista.
Entretanto, o País não poderia deixar de seguir sua tendência histórica de alinhamento e compromisso com as Américas, e esse fato pesou na balança político decisória, conduzindo o país para causa Aliada.
Como medida preventiva, e reafirmando os princípios da Doutrina Monroe, os países da América declararam que todo atentado de Estado não americano contra a integridade do território, contra a soberania ou Independência de um país do continente, seria considerado ato de agressão contra os demais signatários da declaração.
O Presidente Getúlio Vargas, desejando encaminhar o País para industrialização definitiva, escolheu a empresa norte-americana United States Steel Products Company, em detrimento da empresa alemã Krupp para construir a usina de Volta Redonda, Companhia Siderúrgica Nacional.
A Steel Company acabou desistindo da construção da Siderúrgica em conjunto com o Brasil, no início de 1942, pois ela perdeu para os russos uma usina de minério de lítio que possuía na Finlândia, e seu departamento financeiro decidiu que não participariam mais de empreendimentos no exterior. O presidente Getúlio Vargas decidiu então que a usina seria instalada por uma empresa nacional, o dinheiro seria norte-americano, sob a forma de empréstimo. Criou a Comissão Executiva do Plano de Siderurgia Nacional presidida por Guilherme Guinle, tendo o Tenente Coronel Edmundo de Macedo Soares e Silva na subcomissão de siderurgia. Grande parte dos especialistas que participaram da construção da usina eram formados na Escola de Engenharia do Exército.
Quanto à política externa, o Ministro das Relações Exteriores, Osvaldo Aranha, teve um papel primordial para o rumo que o Brasil escolheu em relação à guerra. Sua ação diplomática foi fundamental também para influenciar outras Nações Americanas no compromisso com a política de segurança e solidariedade Continental.
A guerra atingiu a América em 7 de dezembro de 1941, quando os japoneses atacaram a base Aero Naval norte-americana de Pearl Harbor no Havaí.
No amplo movimento de solidariedade 26 Nações firmaram a 1º de janeiro de 1942 a seguinte declaração:
“[…] que cada Governo se comprometa a empregar todos seus recursos, militares ou econômicos, contra os membros do tríplice Pacto e seus aderentes com os quais estejam em guerra […] que cada Governo se comprometa a cooperar com os governos signatários da presente e não firmar com os inimigos armistícios ou paz em separado”.
Assim, durante a sessão de encerramento da conferência do Rio, realizada a 28 de janeiro de 1942, o Ministro Osvaldo Aranha, em cumprimento a diretrizes governamentais, declarou que naquele momento os seus embaixadores em Berlim e Tóquio, e o encarregado de Negócios em Roma participavam àquelas autoridades, junto as quais estavam acreditados, que o País rompia as relações com a Alemanha, Itália e Japão, solidarizando-se com as Repúblicas Americanas as quais estavam ligadas por laços indissolúveis de amizade.
Na verdade, o primeiro incidente envolveu o navio mercante Taubaté, que navegava isoladamente entre Chipre e Alexandria em 23 de março de 1941, ou seja, bem antes do rompimento das relações diplomáticas. Ele foi bombardeado e metralhado por um avião da Luftwaffe e, apesar da morte de um tripulante e ferimento de outros 13 e de protestos veementes do governo brasileiro, o governo alemão mostrou-se insensível ao fato. Outros incidentes menores continuam acontecendo até que o Brasil foi vítima da campanha submarina alemã no Oceano Atlântico.
O primeiro navio vítima dessa campanha monstruosa e desumana foi o Cabedelo, desaparecido a 14 de fevereiro de 1942 quando se dirigia da Filadélfia para o porto de Cabedelo, no Brasil.
Daí até Declaração de situação de beligerância contra Alemanha, em 21 de agosto de 1942, mais de 18 navios mercantes brasileiros foram afundados por submarinos do Eixo. Depois dessa data, outros doze foram afundados, totalizando aproximadamente um terço da marinha mercante brasileira e provocando a morte ou desaparecimento de 971 pessoas entre tripulantes e passageiros.
A declaração de guerra à Alemanha e à Itália foi feita no dia 31 de agosto de 1942, pelo decreto nº 10358, contudo já em 27 do mesmo mês havia se reunido pela primeira vez a Comissão Militar Mista de Defesa Brasil-Estados Unidos, em Washington, deliberando sobre como seria a participação militar do Brasil na guerra.
Destaca-se nessas decisões o envio de um corpo do exército com três divisões de Infantaria mais elementos de apoio para África ou para Europa. As unidades teriam organização igual às adotadas pela doutrina militar norte-americana e ainda ficou acertado o envio de uma força aérea expedicionária.
Aos Estados Unidos caberiam fornecimento de material bélico e artigos de subsistência pelo sistema da lei de empréstimos e arrendamentos, com 50% do material de uma divisão de Infantaria entregues no Brasil para treinamento. Igualmente oferecer estágios de instrução militar para o Oficiais brasileiros nos Estados Unidos e enviar militares norte-americanos como instrutores para o Brasil. Também ficou acertado que a justiça militar funcionaria de acordo com as leis brasileiras.
A PARTICIPAÇÃO DA FEB NA GUERRA
A 9 de agosto de 1943, foi ordenada a organização da 1ª Divisão de Infantaria Expedicionária (1DIE), as outras duas seriam em 7 de janeiro de 1944, contudo a organização destas duas foi cancelada após embarque do primeiro Escalão da FEB para Itália em, julho daquele ano.
Foi designado comandante da FEB, cumulativamente com o comando da 1DIE, o General João Batista Mascarenhas de Moraes.
Os órgãos não divisionários foram chefiados pelo General Olímpio Falconieri da Cunha, inspetor Geral do Estado, compostos com a seguinte constituição na zona de interior: a seção de saúde, a agência do Banco do Brasil, a pagadoria fixa, a seção da base brasileira, o depósito de intendência, o depósito de pessoal, o serviço postal e as seções de Justiça.
A 1DIE organizada conforme o modelo norte-americano, Tropa Especial, Infantaria Divisionária, Artilharia Divisionária, Batalhão de Engenharia e Batalhão de Saúde.
A Tropa Especial era constituída basicamente de elementos de apoio, destacando-se enquadramento de um esquadrão de reconhecimento. Por constituírem novidades na estrutura organizacional divisional, brasileira muitas unidades tiveram que ser especialmente criadas.
Por isso o Boletim do Exército nº 16 de 23 de agosto de 1943, o qual deu organização da FEB, previu a criação dessas novas unidades quais sejam: Primeiro Esquadrão de Reconhecimento Motomecanizado, Companhia do QG da Primeira DF, Companhia de Manutenção, Companhia de Intendência, Pelotão de Polícia Militar, que teve por base elementos da Força Pública de São Paulo, Companhia de Comando, Banda de Música Divisionária, Companhia de Transmissões e Destacamento de Saúde.
A Infantaria divisionária da 1DIE ficou sob o comando do General Euclides Zenóbio da Costa, tinha um efetivo total previsto de 9796 homens e compunha-se de 3 Regimentos de Infantaria, com 3.250 homens cada, e esses compostos de uma companhia de comando, uma companhia de saúde, uma companhia de serviço, uma companhia de canhões, dotada de 6 obuses 105mm, uma companhia de canhões anti-carro, dotada de 9 canhões anti-carros 57mm e 3 batalhões de Infantaria, com 871 homens cada, compostos por uma companhia de comando, uma companhia de petrechos pesados, dotadas de metralhadoras .30, metralhadoras .50 e morteiros 81mm, e 3 companhia de fuzileiros, com 193 homens cada.
Os regimentos de Infantaria eram os seguintes: o 1RI do Rio de Janeiro, Regimento Sampaio, o 6RI de Caçapava, Regimento Ipiranga, e o 11RI de São João Del Rei, Regimento Tiradentes.
A Artilharia Divisionária (AD) era composta de uma bateria de comando, um destacamento de saúde, um grupo de artilharia auto rebocado de 155mm e 3 grupos de obuses de 105mm, compunha ainda a Artilharia Divisionária a 1ª Esquadrilha de Ligação e Observação, da FAB, dotada de 10 aeronaves Piper Club. O General Osvaldo Cordeiro de Farias era o comandante Comandante da AD.
A Engenharia da FEB foi composta por um batalhão de engenharia, o 9º Batalhão de Engenharia de Aquidauana, hoje Mato Grosso do Sul, o qual era composto por uma companhia de comando e serviço, destacamento de saúde e 3 companhias de engenharia. Na sua dotação de material, destacavam-se 14 botes de assalto M2, 18 botes pneumáticos, 12 botes de reconhecimento e 6 tratores de 6 toneladas.
O Batalhão de Saúde era composto por uma companhia de triagem e três companhias de evacuação. É interessante notar que a 1DIE já adotava para sua organização as modificações decorrentes dos ensinamentos colhidos pela missão Brasileira de reconhecimento no norte da África.
Com a organização e os meios que dispunha, a mobilidade tática da 1DIE, assegurada por 1.410 viaturas, que possibilitavam o deslocamento de 1/3 do seu efetivo, e um grupamento tático, tendo condições de cumprir as seguintes missões:
- Realizar operações contra elementos terrestres de qualquer natureza e aéreos em voo baixo e operações de pequena envergadura;
- Atacar qualquer objetivo terrestre numa frente normal de 3.000 m por Regimento de Infantaria;
- Defender um setor de 2.500 a 5.000 metros por RI;
- Realizar pequenas operações de transposição de curso d’água.
TEATRO DE OPERAÇÕES NA ITALIA: 4 FASES
A Campanha da FEB em solo italiano, para melhor entendimento, é dividida em quatro fases, segundo as regiões em que atuou e as atividades de combate que realizou:
- 1ª fase: as operações no Vale do Rio Serchio, onde atuou o Destacamento inicialmente desembarcado. As primeiras ações vividas foram em Monte Prano, Fornachi, Gallicano, Fabriche e S. Quirico;
- 2ª fase: envolveu as operações no Vale do Rio Reno, onde a FEB, já como 1DIE, vivenciou as batalhas de Monte Castelo e Castelnuovo;
- 3ª fase: marcou as operações no corte do Rio Panaro, com a vitória de Montese, a ocupação de Zocca e a posse de Vignola;
- 4ª fase: foi a perseguição realizada imediatamente ao sul do Rio Pó, ocasião em que ocorreram as vitórias de Colechio e Fornovo di Taro, onde foi aprisionada a 148ª Divisão de Infantaria alemã, em que se deu a junção com tropas norte-americanas em Alexandria e com tropas francesas em Susa; e ocupação de regiões italianas após a rendição total dos alemães.
BATISMO DE FOGO DA FEB
A 1ª Companhia do 9º Batalhão de Engenharia comandada pelo Capitão Floriano Moller foi a primeira tropa brasileira a entrar em ação na Itália, construindo uma ponte Bailey em apoio ao 4º Corpo de Exército, ponte essa denominada 7 de setembro, pois foi construída entre os dias 6 e 7 de setembro de 1944, numa clara alusão à data da nossa Independência.
As missões da FEB se desenrolaram numa frente relativamente tranquila de combate no Vale do Rio Serchio, constava basicamente de uma missão de cobertura ao ataque geral do 4º Corpo de Exército, para o rompimento da Linha Gótica na operação Olive.
Os elementos inimigos pertenciam a 16ª Divisão SS alemã, comandado pelo General Harttmann, a qual realizava ações retardadoras no contexto do retraimento geral alemão do Rio Arno para a Linha Gótica.
Como se vê, a presença de tropas alemãs de elevado valor combativo, pertencentes à famosa SS, demonstra que a FEB não enfrentou forças de segunda linha ou muito desgastadas, como alguns historiadores erroneamente costumam apresentar.
A missão do batismo de fogo na FEB era simples, mas em larga a frente, com efetivos diluídos, devido à compartimentação em terreno extremamente acidentado, rochoso e raivoso, elevando-se gradualmente de 300m de altitude da linha de partida a 1300m, em Monte Prano.
Como resultado dessa operação, o destacamento FEB liberou do julgo alemão as duas primeiras cidades italianas, Massarosa e Camaiore, dentre tantas outras que ainda viria a libertar.
A FEB recebeu merecidamente as congratulações do General Mark Clark nos seguintes termos:
“já tive oportunidade de dizer anteriormente que da FEB, bem vinda ao 5º Exército, poderíamos esperar grandes feitos, em face da organização, habilidade e entusiasmo que revelou durante a preparação inicial. A performance da FEB nos primeiros combates, num setor do 5º Exército, demonstra que nossas expectativas foram justificadas […] Confio que esse seja o primeiro dos muitos objetivos que, de futuro, surgirão sobre a legenda: capturados pela Força Expedicionária Brasileira”.
VALE DO RENO
Desde 25 de outubro, o General Mark Clark solicitou autorização superior para suspender as operações, o que foi feito, seguindo-se um reajustamento de dispositivo, pelo qual a DIE iria atuar numa área em que vinham operando elementos da 1ª Divisão Blindada norte-americana.
O Comandante do 5º Exército norte-americano firmara-se ainda no propósito de retomar a ofensiva em dezembro, antes do rigoroso inverno, fazendo recair sobre o 4º Corpo de Exército o encargo de operações preliminares, já em novembro, destinadas a melhorar as condições da ofensiva geral.
Em cumprimento as ordens do 4º Corpo de Exército, o General Mascarenhas de Moraes assumiu, no dia primeiro de novembro, o controle de seus meios, inclusive das operações que se processavam no Vale do Serchio.
Tendo em vista arrocada para o Vale do Rio Reno, nova zona de ação, foram tomadas as primeiras providências relativas aos elementos do destacamento. Já a 9 de novembro, o Gen Mascarenhas assumia o comando do setor Morano-Riola, englobando alguns elementos norte-americanos e tendo já substituído as tropas da 1º DBNA que ali se encontravam.
Assim, enquanto o restante da 1DIE ainda permanecia em Pisa, os elementos no antigo destacamento se transferiram para o Vale do Reno, já sob as vistas diretas do Estado-Maior da 1DIE.
Na nova zona de ação, o comando alemão apoiava-se na formidável barreira dos Apeninos para barrar o acesso ao Vale do Rio Pó. O setor mais disputado situava-se entre o Rio Reno e Panaro Castelnuovo, divisor desse curso d’água que dominava e comandava inteiramente à Estrada Pistóia-Bolonha, particularmente no trecho Porreta-Termesilla.
Os pontos mais importantes eram: Belvedere, Gorgolesco, Della Torracia, Monte Castelo, Della Vedeta, Della Groce, Torre di Nerone, Soprassasso e o entroncamento de Gagio Montano.
A frente ocupada abrange as regiões de Monte di Gagio, Bombiana, Volpara e Áfrico.
A missão recebida incluía a conquista de Castelnuovo e assim como medidas preliminares, no dia 16, foram ocupadas regiões de Boscaccio e Monte Cavalloro por elementos do 6º RI.
Reforçado pela 1DIE, ainda incompleta, o comandante do 4º Corpo de Exército decidiu conquistar o maciço Belvedere Monte Castelo, a fim de eliminar as vistas sobre a importante estrada que vinha de Pistóia para Bolonha. Assim, a 24 de novembro de 1944, o grupamento tático reforçado pelo 3º Batalhão do 6RI mais o Esquadrão de Reconhecimento e um Pelotão de Engenharia atacou Monte Castelo. Redundou esse ataque em verdadeiro fracasso, renovando a operação no dia seguinte, ou seja, o segundo ataque a Monte Castelo, o qual foi novamente rechaçado, permanecendo apenas Belvedere nas mãos dos norte-americanos.
Foi organizado então um grupamento sob as ordens do General Zenóbio, incluindo o 1º/1RI, 3º/11RI e o 3º/6RI, três pelotões de carros de combate norte-americanos, dois grupos de artilharia brasileiros, em apoio direto, e um grupo de artilharia, em ação de conjunto. Este novo ataque foi também um insucesso, mais precisamente, na noite de 28 para 29 de novembro, ocasião em que esse grupamento ocupava posições para ataque, os americanos, em Monte Belvedere, violentamente contra-atacados pelos alemães, abandonaram aquela posição, agravando em muito a situação da 1DIE, pois o flanco ficou totalmente exposto durante toda a jornada em que durou o ataque brasileiro.
Porém, o comandante do 4º Corpo de Exército persistia ainda na ideia de retomar a ofensiva antes do inverno. Por isso, determinou à 1DIE, como operação preliminar, capturar e manter a crista Belvedere Della Torracia, o que ocasionou o novo ataque a Monte Castelo, no dia 12 de dezembro, organizando um grupamento a base dos 2 e 3/11RI. Lançou-se o primeiro escalão, às 6 horas da manhã, ao ataque. Combateu durante todo o decorrer da jornada, sendo obrigado a retornar às posições iniciais, após sofrer baixas, mais uma vez o ataque foi infrutífero.
Os quatros insucessos dos ataques a Monte Castelo foram decorrentes de diversos fatores relacionados à falta de apoio de carro de combate, de apoio aéreo aproximado, de erros na execução do apoio de fogo de artilharia, mas sobretudo na insistência do General Crittenberg em determinar ataques frontais a uma posição fortemente organizada, com efetivo insuficiente, em terreno impraticável a ataques dessa natureza.
Diante disso, o General Mascarenhas de Moraes resolveu tomar uma atitude que defendesse a honra brasileira ameaçada pelos sucessivos insucessos, e, num lance de estrita coragem moral, colocou operante o Comando Superior sua posição diante dos fatos.
Em 13 de dezembro os Generais Mark Clark e Crittenberg, atendendo a justas ponderações no nosso Comando, resolveram adotar novas condições para emprego mais judicioso da Divisão Brasileira. Contudo, o Comando aliado decidiu suspender as operações determinando que as unidades se recolhessem aos seus quartéis de inverno, deixando a conquista de Bolonha para próxima primavera.
Isso era consequência dos vários insucessos em toda a frente, e de um potente contra-ataque alemão desfechado contra tropas Americanas no Vale do Serchio, causando muitas baixas e ameaçando a integridade do dispositivo.
Em 28 de dezembro, os exércitos começaram a se estabelecer defensivamente, reorganizando-se e reaparelhando-se, tendo em vista enfrentar os rigores da estação e as inquietações do inimigo.
Nesse período, a 1DIE se distendeu numa frente de 20km, desde o Monte Belvedere até Lissano, o que acarretou num emprego simultâneo de quase todos os seus meios para guarnecê-la.
Antes de terminar o ano de 1944, o comando alemão desfechou uma ofensiva contra a 92ª Divisão de Infantaria norte-americana (DINA) no Vale do Serchio, obrigando a um recuo que expôs as posições do GT45 e da 1DIE a Leste, em frente ao maciço Monte Belvedere e Monte Castelo.
A frente estabilizada continuou até fevereiro de 1945, quando comando do 15º Grupo de Exército aliado resolveu reencetar sua progressão para o norte, a fim de conquistar Bolonha e prosseguir para o Vale do Rio Pó.
Assim, o Gen Crittenberg determinou a realização de operações preliminares para a segunda quinzena de fevereiro, a cargo da 10ª Divisão de Montanha norte-americana e da 1DIE, apoiados por considerável artilharia do 5º Exército e da Aviação, inclusive da Força Aérea Brasileira.
Desse modo, a 10ª Divisão de Montanha norte-americana, numa primeira fase atacaria para conquistar Belvedere e Gorgolesco, e após, a 1DIE atacaria para conquistar Monte Castelo. Uma segunda fase previa a limpeza do Vale do Rio Marano. Finalmente, uma terceira fase seria conquistar Torre de Nerone e Castelnuovo.
Entendimentos ulteriores deixaram ajustados que a 1DE atacaria Monte Castelo depois que a 10ª Divisão de Montanha norte-americana tivesse capturado Mazancana, e que tropas brasileiras ali tivessem substituído tropas daquela divisão.
Iniciado o ataque americano, às 23 horas do dia 19 de fevereiro de 1945, na jornada imediata, foi tomado de assalto Belvedere, e em seguida Gorgolesco. Apesar da reação inimiga, às 17 horas, Mazancana era conquistada e daria oportunidade de partir para a 1DIE partir para o ataque a Monte Castelo. O baluarte de Monte Castelo iria receber, na jornada de 21 de fevereiro de 1945, o derradeiro ataque vitorioso.
Para o ataque àquele Monte, a manobra montada pela 1DIE foi a seguinte: o 1RI atacaria na direção Gagio Montano, Monte Castelo, la Serra, a fim de apossar-se das regiões 875/Fornace. Após prosseguiria até a linha de Roncovechio. O 2/RI deveria, em ligação com 1RI, aferrar o inimigo em sua zona de ação; o 11RI e a reserva, e outros elementos manteriam a atitude defensiva, as posições não interessadas na ação ofensiva.
O ataque frontal ficou a cargo do Batalhão Franklin (3/1RI) e a ação de flanco foi atribuída ao batalhão Uzeda (1/1RI). O comando do 1RI disporia de uma reserva, o Batalhão Sizeno (2/1RI), e na direção de Abetaia, a Leste, o 2/1RI atacaria fazendo a cobertura do ataque.
A Artilharia, reforçados com os fogos de 18 obuseiros, do grupo de exército, estaria com grupo Levi Cardoso, em apoio direto do 3/1RI, e os grupos Parnaso Alvim e Souza Carvalho em ação de conjunto. O 9º Batalhão de Engenharia apoiaria o 1RI em uma Companhia de Engenharia.
Às 20 horas do dia 20 fevereiro, o Batalhão Uzeda (1/1RI) procedeu a substituição dos elementos americanos na região de Mazancana. Às 5:30 do dia 21 de fevereiro, desembocou o ataque definitivo e vitorioso para aquele objetivo.
No flanco oeste, a 10ª Divisão de Montanha lançou-se sobre a capela de Ronchidos, onde encontrou obstinada resistência do inimigo. Enquanto isso, o 2/1RI iniciou sua pressão sobre a Abetaia.
O 1RI partiu com o Batalhão Uzeda sobre a crista de Monte Castelo, enquanto o Batalhão Franklin iria atacar mantendo a frente de Fornace, encontrando pontos fortes inimigos.
Em virtude da facilidade de progressão do Batalhão Uzeda pelas suas zonas de ação, foi lançada às 9 horas, a 5ª Companhia do Batalhão Siseno (2/1RI).
Os norte-americanos da 10ª Divisão de Montanha enfrentavam sérias dificuldades, marcando passo na capela de Ronchidos, não permitindo a simultaneidade de ações sobre Della Torracia e Monte Castelo. Não obstante, 1DIE continuou sua progressão, atendendo às ordens do General Crittenberg. Pouco antes das 12 horas, os contra-ataques alemães alcançaram a 10ª Divisão de Montanha norte-americana, refletindo-se no batalhão Uzeda, que só às 14 horas pôde continuar seu avanço para conquistar as cotas 930 e 875, o que permitiu ao batalhão Franklin conquistar, às 14:30, o ponto forte de Fornello.
O comandante do 1º RI, Coronel Caiado de Castro, empregou então o 2/11RI (menos a 5º companhia), aumentando assim a pressão sobre a parte Sudoeste do Baluarte Monte Castelo. Nesse tempo, o Batalhão Ramagem, já no flanco direito, assegurava a cobertura, avançando sobre a Abetaia.
Às 17:20, a defesa alemã entrou em colapso. O 1RI encontrava-se sobre Monte Castelo, enquanto a 10ª Divisão de Montanha lentamente progredia sobre Della Torracia. Ainda nessa jornada, os elementos do batalhão Franklin (3/1RI), atingiram e ocuparam Monte Della Casellina, facilitando a retomada da progressão que seguiria sobre La Serra, logo enfrentado pelo comandante da 1DIE.
A Ten Virginia Maria de Niemayer Portocarrero, enfermeira da FEB, assim escreveu no seu diário em 21 fevereiro de 1945:
“O Regimento Sampaio foi o escolhido para esse combate. Quanta mutilação. Quanta miséria. Eu estou triste. Tanta gente baixada. Quanto sofrimento, que dias cansativos. Quanta gente chegou. Enfermarias lotadas, 60 leitos. Eu sofro com eles. Cuido com o maior carinho desses queridos heróis. Na sala de operação o aspecto e terrível. Pedaços humanos recolhidos em carrinhos de mão e enterrados em enormes crateras nos fundos do hospital. Que coisa terrível é a guerra. As equipes médicas se desdobraram em operações sucessivas. Sargentos enfermeiros e nós enfermeiras trabalhando em horários cansativos e extenuantes. Como sofremos vendo nossos doentinhos ainda entorpecidos pelas anestesias dormindo sem pressentir suas mutilações. Estou escrevendo essas notas depois desta noite horrorosa que passei. Larguei meu serviço às 7 horas da manhã e já são 10 horas e o sono não vem. As mutilações me tiraram o sono e agora, em minha barraca, saturada de emoção e cansaço moral enorme estou sem sono completamente e me espanto escrevendo o que dentro de mim extravaso. As chegadas foram em massa. Como sofri. São homens que nunca vi, entretanto, sofro por eles. Fico em suspenso, aflita, com medo que aconteça algo aos meus primos queridos e amigos que se encontram no front. Que competência mostraram os cirurgiões brasileiros e americanos misturados na sala de operações salvando vidas. E o sono vem, e eu preciso me refazer para amanhã pegar forte aquela enfermaria de doentinhos tão sacrificados”.
Coube ao 11RI o prosseguimento ao 2/11RI a ação de cobertura no flanco direito. Assim foi lançado o 2/1RI, às 21:30 do dia 23, para a captura da linha cota 958 La Serra, conseguindo cerca das 23 horas, seguindo 7 horas de violentos contra-ataques alemães realizados por elementos da 232ª Divisão de Infantaria alemã, sem resultados satisfatórios.
Vitória de La Serra e o avanço do batalhão Ramagem, a 1DIE, a 25 de fevereiro, atingiu a linha Roncovechio-Seneveglio. Mais à esquerda, a 10ª Divisão de Montanha conquistara Della Torracia, assenhoreando-se do maciço Belvedere.
Na fase seguinte, a 10ª Divisão de Montanha foi lançada para a conquista das regiões de Campo di Soli e Della Vedeta, enquanto a 1DIE limparia o Vale do Marano até Santa Maria Villiana-Roca Pitigliana.
Com a saída da 10ª Divisão de Montanha, elementos da 1DIE foram ocupar a frente Della Torracia para Oeste, e o restante da Divisão a Este realizou as ações no Vale do Marano até Santa Maria Villiana, em ligação com a 10ª Divisão de Montanha e como fase preparatória para conquista de Castellnuovo.
O 1RI ocupou a linha Pizzo di Campiano-Belvedere-Della Torracia, liberando a 10ª Divisão de Montanha norte-americana que ficou encravada no centro desportivo da 1DIE.
Em 3 de março, a 10ª Divisão de Montanha se lançou ao ataque juntamente com o 2/11RI, seguindo-lhe mais a Sudeste, o 3/6RI. No fim da jornada, os americanos ocuparam Della Croce, ao tempo em que os dois batalhões brasileiros cortavam sobre a linha Glamsimone e Santa Maria Villana.
O 6RI substituiu os americanos em Della Groce, no decorrer do dia 4 de março, ao passo que o 2/11RI retornou para a base do 11RI.
No dia 5 de março, o ataque prosseguiu com a 10ª Divisão de Montanha ao Norte do Vale do Rio Aneva, para ocupar a linha de Braga, Della Castellana-Belvedere, a oeste. E o 6RI, ao longo do divisor de águas Aneva-Reno, em ligação com o 2/11RI, que atacaria de Sul para o Nordeste, a fim de cortar a retirada alemã pela estrada Castelnuovo-Áfrico.
Já ao anoitecer, o Monte Soprassasso estava ocupado pelo 2/6RI e o 1/6RI se encontrava em Castelnuovo, e outros elementos do 11RI ocupavam Banzani, desbordando por Leste aquele baluarte alemão. Na manhã seguinte, a transversal Sassa e Serra di Gato era alcançado por patrulhas brasileiras.
Com isso, foi considerado pelo Gen Crittenberg terminada a ofensiva do 4º Corpo de Exército, tendo em vista a preparação para ofensiva geral, a ser feita em abril 1945.
As atividades militares das tropas brasileiras no Vale do Rio Reno, entre 5 de novembro de 1944 e 16 de março de 1945, acarretaram às nossas tropas 240 mortos e um 1.382 feridos.
Sendo assim, a tropa brasileira, com a conquista de Monte Castelo, consolidou a sua capacidade operacional nos campos de batalha da Itália, o que fica claro na leitura do Boletim Especial redigido e divulgado naquele front nas palavras do comandante do 1RI, Coronel Caiado de Castro:
“Esse é o efeito imediato da vossa brilhante vitória do Castelo e digo vossa porque sem Soldados do vosso valor não se ganha batalhas. Certo é que vossos chefes vos assistiram e guiaram com destemor e senso tático. Não menos certo é que também vosso Coronel esteve sempre a postos, mas a vitória é vossa, meus valorosos soldados, infantes brilhosos do Regimento Sampaio!
Vencendo o Castelo, não abristes só novas sendas para a vitória final: honrastes quatro séculos de tradição guerreira, ombreando em valor a geração vigorosa dos heróis de Tuiuti, Itororó, Peribegui ou Laguna; ergueste no mastro Olímpico o Pendão Brasileiro e isso em plena Itália, milenar campo de batalha, teatro dos feitos imortais Aníbal, César e Napoleão. Podeis estar certos que qualquer deles se sentiria orgulhoso de comandar soldados com vós o fostes na tomada de Monte Castelo. E, mais que tudo dignificastes e projetastes no Velho Mundo esfacelado o nome jovem e esperançoso de nossa Pátria, decerto agradecida e distante, BRASIL.
Vibra-me a pena ao vos escrever essas palavras, meus bravos comandados. Vosso Coronel está verdadeiramente emocionado o vosso feito.
A geração do Brasil do Século XX honrou a geração do Brasil do século XIX, e se o nosso estandarte de guerra traz os nomes das vitórias que obtiverem outros tempos e outros campos de batalha, muito em breve ostentará um mais, e esse devido ao vigor de vossas baionetas impávidas: MONTE CASTELO!”.
(Extrato do boletim especial nº 1, de 27 de fevereiro de 1945, comandante do 1º Regimento de Infantaria, Regimento Sampaio, Coronel Caiado de Castro)
Encerramos assim a primeira parte desta brilhante jornada épica de tropas brasileiras combatendo o nazifascismo em terras europeias, como bem falou o comandante Coronel Caiado de Castro – as tradições do Exército invencível de Caxias foram mantidas a sangue, suor, bravura e honra.
BRASIL ACIMA DE TUDO!
[1]Documentário sobre a FEB, filmado no Centro de Preparação de Oficiais da Reserva do Recife e nos Montes Guararapes. Produzido por: Ten Cel Berguenmayer, Cap Parzianello, Cap Neitzke e Cap Pitangueira. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=xwilryHlPgw&t=2075s
[2]GIGOLOTTI, João Carlos Jânio. Estudo de História Militar – Idade Contemporânea: da Fase Revolucionária ao século XX. Resende: AMAN, 2003. 406 p. v. 2.
Retorna ao Bicentenário em Revista