O Período Regencial e a Importância da Declaração de Maioridade de D. Pedro II para o Projeto de Nação Brasileira

Cel Int (FAB) Diógenes Lima Neto; MSc, MPA e MBA

Abdicação de D. Pedro I, em pintura de Aurélio de Figueiredo (Fonte: Fonte: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-60759583)

 

Introdução

Muito já foi dito e escrito sobre o Período Regencial no Brasil, o qual, por injunções diversas, fez-se necessário para que houvesse uma transição do chamado “Primeiro Reinado” para o “Segundo Reinado”. De fato, foram necessárias duas Regências Trina e duas Regências Unas para que, finalmente, após uma Declaração de Maioridade antecipada de D. Pedro II, ainda na tenra idade de 14 anos, assumisse efetivamente o Império do Brasil.

Nesse contexto, ainda se debate, até os dias atuais, se, efetivamente, a antecipação da referida maioridade foi uma decisão “acertada”, ainda que esta seja uma noção extremamente subjetiva. Afinal, “acertada” sob a ótica de quem? De D. Pedro I, que estava em Portugal? De D. Pedro II, ainda criança? Dos “liberais exaltados”, como Cipriano Barata, que ansiavam pelo federalismo? Dos “liberais moderados”, alinhados com Padre Antônio Feijó, que queriam Pedro II logo no poder, porém com poderes restritos? Ou, ainda, sob a ótica dos ditos “restauradores”, como José Bonifácio, que queriam o retorno de Pedro I ao trono do Brasil? Difícil dizer, por certo.

De toda sorte, hoje, após quase dois séculos de distância, é possível analisarmos, com mais razão e menos emoção, aquela quase uma década (1831 a 1840) em que, curiosamente, o “Império do Brasil” foi conduzido por “plebeus”.

 

Contexto histórico da primeira metade do Século XIX (1801 a 1850)

Contexto global

Em termos globais, a primeira metade do século XIX revelou-se bastante agitada, particularmente no mundo ocidental. Afinal, ainda ecoavam, nas mentes e corações da Humanidade, o simbolismo de eventos históricos profundamente disruptivos, como a independência dos Estados Unidos (1776) e a revolução Francesa (1789-1799), entre outros.

Não por acaso, na esteira da nova ordem mundial que começava a se estabelecer, diversas revoluções e revoltas ocorreram pelo mundo, com reflexos inegáveis nas relações internacionais. Dentre os diversos eventos históricos ocorridos entre 1801 e 1850, podemos destacar:

  • 1801: os reinos da Grã-Bretanha e da Irlanda se fundem para formar o Reino Unido;
  • 1803: início do conflito entre Inglaterra e França, conhecida como “Guerras Napoleônicas”;
  • 1804: coroação de Napoleão Bonaparte como Imperador da França, pelo Papa Pio VII, em Paris;
  • 1806: bloqueio continental da Inglaterra pela França, impedindo a comercialização de produtos ingleses em boa parte da Europa;
  • 1808: chegada da corte portuguesa transferida para o Brasil, fugindo do ataque iminente de Napoleão Bonaparte;
  • 1811: Venezuela e Paraguai tornam-se independentes;
  • 1815: término formal das “Guerras Napoleônicas”, após a assinatura do “Tratado de Paris”;
  • 1820: “Revolução Liberal do Porto”, em Portugal, redundando no retorno da Corte Portuguesa àquele país;
  • 1822: D. Pedro I declara a Independência do Brasil;
  • 1825: início da Guerra da Cisplatina, batalha entre a Argentina e o Brasil pelo domínio da Cisplatina (atual Uruguai);
  • 1834: o Parlamento Português declara maioridade para a irmã de Pedro II, Maria II de Portugal, que com o ato, passou a reinar sem o regente;
  • 1839: início da primeira Guerra do Ópio, após a China proibir a entrada, no país, do ópio vindo da Inglaterra; e
  • 1848: publicação de “O Manifesto Comunista”, de Karl Marx.

Como se observa, durante a primeira metade do século XIX o mundo estava em franca ebulição, com guerras e cizânias em praticamente todos os continentes. Em verdade, diversos países hoje consagrados, como Estados Unidos, Itália, Polônia e Alemanha, entre tantos outros, ainda estavam em diferentes fases de consolidação, o que explica boa parte daquele contexto.

 

Contexto local brasileiro

Similarmente ao que já ocorria no mundo, o Brasil também enfrentava seus próprios problemas, impactado por eventos históricos externos e internos. Ademais, algumas características de nossa jovem nação não contribuíam para a formação de uma matriz sociocultural própria e consolidada, tornando a conjuntura de então bastante fluida, frágil e, porque não dizer, posicionada no limiar do caos. Efetivamente, diversos fatores dificultavam, à época, a união e integridade nacionais, dentre os quais destacam-se:

  1. Éramos um país extremamente jovem. Lembremos que, quando D. Pedro I abdicou ao trono brasileiro, em 1831, faziam apenas nove anos desde a Declaração da Independência, em 1822. Tal fato implicava estruturas política e de governo flagrantemente imaturas para o que viria em seguida à Abdicação. É bem verdade que tais estruturas vigentes não foram grandemente alteradas pela Declaração de Independência, porém a experiência dessa mesma estrutura em debater e acordar sobre os desígnios do Brasil era praticamente nula.
  2. Dimensionalmente, o Brasil não era Portugal. Por mais óbvio que isso seja, seu impacto na formação de uma unidade nacional minimamente alinhada, coerente e coesa beirava o impossível. As dimensões continentais do Brasil, mesmo àquela altura, redundavam em duas outras questões deveras importantes e interrelacionadas, a saber:
    1. Comunicações dificultadas: todas as comunicações eram feitas por mensagens entregues a cavalo. Vale lembrar que o telégrafo só chegou ao Brasil em 1857, com a instalação da primeira linha telegráfica, entre Petrópolis e a praia da Saúde, na cidade do Rio de Janeiro. Os jornais de então ainda eram muito locais e pouco profissionais, funcionando mais como panfletos do que qualquer outra coisa; e
    2. Tempos de resposta elevados: um fator decorrente e que dificultava a união e integridade nacionais era a excessiva demora em se responder aos inúmeros fatos gravosos que eclodiram em todo território nacional, logo após a Abdicação. Não por acaso, algumas sublevações e revoltas duraram anos e, no caso particular da Revolução Farroupilha, alongou-se praticamente por uma década;
  3. O Exército Imperial Brasileiro não era majoritariamente composto por nativos. Outro fator relevante e historicamente pouco comentado guarda relação com nossas Forças Armadas de então. A verdade é que o Exército Imperial, criado logo após a Independência do Brasil, em setembro de 1822, remontava às tropas luso-brasileiras que permaneceram no Brasil sob o comando do príncipe Pedro I, então regente do Reino do Brasil, quando da saída de D. João VI. Aquele Exército era inicialmente composto por mercenários brasileiros, portugueses e estrangeiros, bem como parte significativa de seus comandantes. Situação semelhante vivia a “Armada Imperial Brasileira”, uma vez que possuía poucos marinheiros brasileiros natos (à época eram praticamente proibidos de servir), sendo sua maioria portugueses, ingleses e outros estrangeiros também contratados como mercenários. Desnecessário dizer que tal circunstância abria espaço para todo tipo de cizânias e defecções, impactando ações e decisões militares importantes; e
  4. Forte divisão e rivalidade entre brasileiros natos e portugueses natos. Em que pese nosso processo de Declaração de Independência ter ocorrido de forma relativamente pacífica, especialmente quando comparado com outras nações, como os EUA, isso nunca quis dizer que não houvesse descontentes e frustrados, pelas mais variadas razões. De toda sorte, muitas destas questões acabavam reduzidas à diferença de naturalidade, ou seja, brasileiros culpavam portugueses por suas dificuldades e vice-versa.

 

Todo esse contexto histórico existente, conforme delineado nos fatores acima elencados, redundou, não por acaso, numa série de revoltas e sublevações com as quais as diversas Regências, Unas ou Trinas, tiveram de lidar. A título de ilustração, elencamos, abaixo, aquelas que são tidas como as principais ocorrências, desse gênero, perpetradas em pleno Período Regencial:

 

PERÍODO REGENCIAL – PRINCIPAIS REVOLTAS/SUBLEVAÇÕES
ANO EVENTO CAUSAS
1831 D. Pedro II é aclamado “Imperador” (09 Abr)  
1831 Setembrada (MA/PE) Políticas
1832 Revolta da Cabanada (PE/AL) (1832-1835) Religiosas
1834 Rusgas (MT/MS) Políticas
1835 Revolta dos Malês (BA) (Jan 1835) Religiosas
Revolução Farroupilha (Guerra dos Farrapos) (RS) (1835-1845) Econômicas
Rebelião da Cabanagem (PA) (1835-1840) Sociais
1837 Rebelião da Sabinada (BA) (1837-1838) Políticas
1838 Rebelião da Balaiada (MA) (1838-1841) Econômicas
1840 Declaração da Maioridade de Pedro II (23 Jul)  

 Tabela 01 – Principais revoltas e sublevações do Período Regencial

 

Em verdade, diversas outras revoltas e sublevações poderiam ser acrescidas à tabela acima, como a Carneiradas (Pernambuco; 1834-1835) e a Insurreição do Crato (Ceará; 1832), para citarmos apenas duas. De qualquer forma, é bastante evidente que o Período Regencial foi absolutamente revoltoso e, por conseguinte, violento.

Uma observação interessante, que aflora ao analisarmos com atenção a Tabela 01 supra, é o fato de que muitas dessas revoltas ocorreram em simultâneo, tendo seus ápices nos anos de 1835 e 1838, ambos com 4 (quatro) revoltas em simultâneo. Não bastasse isso, os eventos também se desdobraram em lugares muito distantes entre si, como Rio Grande do Sul (Revolução Farroupilha) e Grão-Pará (Cabanagem), cada um durando 6 (seis) e 10 (dez) anos, respectivamente. Em outras palavras, foram extremamente desgastantes no tempo e no espaço.

Diante dessa situação, há que se entender que essas ocorrências acabaram por demandar enorme esforço de controle de situação por parte das autoridades governamentais da época, com inevitáveis desgastes político, econômico, psicossocial e, claro, militar.

A Tabela 02, a seguir, sintetiza essa situação, evidenciando a dificuldade que se apresentava, naquele período histórico, de se controlar e apaziguar o país.

Tabela 02 – Revoltas e sublevações simultâneas no Período Regencial

 

Por fim, porém igualmente importante, é o fato de que o número de levantes e afins apresentava uma forte tendência de alta naquele momento, conforme podemos observar pelo Gráfico 01, abaixo:

 

Gráfico 01 – Revoltas (e similares) ano a ano no Período Regencial e Linha de Tendência

Diante dessas considerações, parece bem evidente que, nos idos de 1840, o risco de esfacelamento daquele jovem Brasil era real e bastante elevado, de modo que, efetivamente, uma medida definitiva e contundente se fazia necessária.

 

Sobre a Análise SWOT

Várias são as formas de se realizar uma análise situacional e, para o presente artigo, vamos utilizar uma das abordagens mais amplamente consolidada e conhecida, qual seja, a Análise SWOT (do inglês Strenghts, Weaknesses, Opportunities and Threats; em português Forças, Fraquezas, Oportunidades e Ameaças).

Análise SWOT refere-se a uma técnica utilizada para auxiliar pessoas ou organizações a identificar forças, fraquezas, oportunidades, e ameaças relacionadas à competição em negócios ou planejamento de projetos. Trata-se, efetivamente, de uma abordagem analítica simples e objetiva que auxilia os decisores, principalmente aqueles situados no nível estratégico, a ter uma noção mais precisa da situação em que se encontram (forças e fraquezas), ao mesmo tempo em que são vislumbrados possíveis desdobramentos ou situações decorrentes de ações de agentes externos (oportunidades e ameaças)

 

Análise SWOT

A análise SWOT, a seguir apresentada, leva em conta apenas e tão somente a  “Iniciativa sobre Maioridade antecipada de Pedro II e o Projeto de Nação do Brasil”. Nesse sentido, foram tomadas em conta situações e contextos que, de forma positiva ou negativa, influenciariam a ordem e integridade nacionais do Brasil, o qual, àquela altura, era um país quase tão infante quanto seu futuro imperador.

 

Ambiente Interno

Ambiente Externo

S (Forças) W (Fraquezas) O (Oportunidades) T (Ameaças)
Pedro II e suas irmãs foram deixados no Brasil, após abdicação de Pedro I Pedro II era ainda uma criança por ocasião da abdicação de Pedro I A “Corte Imperial” brasileira temia a instauração de uma república Movimentos separatistas (rebeliões)
Brasil já era independente de Portugal Forte oposição a José Bonifácio enquanto tutor de Pedro II e suas irmãs Reforma do Poder Moderador Existência de brasileiros e portugueses interessados na volta de Pedro I ao Brasil (restauradores)
Pedro II foi oficial e publicamente aclamado “Imperador do Brasil” Ainda levaria 13 anos para Pedro II atingir a maioridade plena (18 anos) Coroação antecipada de Pedro II Criação da “Guarda Nacional” em detrimento ao Exército Imperial
Ascenção do Ciclo do Café, no Brasil, como principal item de exportação Forte resistência dos “conservadores”, então no poder (Regência de Araújo Lima – 1837-1840) Pacificação política e social do país Ato Adicional de 1834 permitia a eleição de um “regente”, aproximando país do conceito de “república”
Ampla aceitação de Pedro II como legítimo detentor da Coroa Imperial Brasileira  Exército e Marinha majoritariamente compostos por mercenários Instabilidade política pela ausência de um “Imperador” Prisão de José Bonifácio e sua destituição da posição de “Tutor Real”
Forte apoio dos “liberais”, em oposição aos conservadores  Dificuldades nas comunicações e reações governamentais, incluídas as militares Parlamento Português já havia dado maioridade antecipada à irmã de Pedro I, Maria II, passando a reinar sem regente Forte divisão e rivalidade entre brasileiros natos e portugueses natos

Tabela 03 – SWOT sobre a iniciativa de maioridade antecipada de Pedro II e o Projeto de Nação do Brasil

Conforme podemos observar pela análise SWOT explicitada na Tabela 03, a alternativa de se antecipar a maioridade de D. Pedro II era não só factível e aceitável, mas também adequada, posto que endereçava diversas das fraquezas e ameaças elencadas.

Por certo, diversas outras questões, positivas e negativas, podem ser acrescidas àquela tabela. Todavia, procurou-se citar aquelas que, salvo melhor entendimento, parecem ter (ou sofrer) reflexos mais imediatos sobre (ou sob) a iniciativa da maioridade de D. Pedro II.

 

Conclusão

Conforme relatado no início deste artigo, o mundo passava por mudanças significativas, muitas das quais decorrentes das ações belicosas de Napoleão Bonaparte, as quais implicaram, entre outras coisas, a vinda da Família Real Portuguesa, e sua Corte, para o Brasil.

Após encerrado esse ciclo, com o retorno de D. João VI e a subsequente Declaração de Independência por D. Pedro I, em 1822, o Brasil passou a viver as agruras de estabelecer e fortalecer um regime de governo e de Estado que consolidasse as aspirações daquele país recém-criado.

Todavia, pouco tempo depois, em 1831, quando D. Pedro I abdicou da Coroa Brasileira e deixou D. Pedro II e suas irmãs no Brasil, todos ainda muito jovens, nosso País viu-se obrigado a buscar soluções que, ainda que temporariamente, ordenassem e regessem os destinos daquela jovem nação.

Politicamente dividido entre “conservadores” e “liberais”, bem como socialmente agitado por dezenas de revoltas e sublevações, inclusive com motivações separatistas, o Brasil, ainda um projeto de nação, viu-se à beira de um esfacelamento completo. Aguardar o atingimento pleno da maioridade de D. Pedro II não se configurava uma opção sensata.

Para a sorte daquela jovem nação, no entanto, havia uma grande aceitação popular e política de que D. Pedro II era o legítimo herdeiro do trono do Império do Brasil. Ele somente não tinha, ainda, a idade adequada.

Ademais, considerando-se o número crescente de revoltas e sublevações simultâneas naquele momento, parecia bastante razoável, para o bem de todos, que D. Pedro II tivesse sua maioridade declarada o quanto antes. Em verdade, a antecipação da maioridade de D. Maria II, de Portugal, em 1834, abria um antecedente que favorecia grandemente essa iniciativa.

De fato, quando se coloca todo aquele cenário temporal sob uma análise SWOT (Forças, Fraquezas, Oportunidades e Ameaças), conforme evidenciado na Tabela 03, fica bastante claro que a antecipação da maioridade de D. Pedro II foi, indiscutivelmente, uma solução adequada, factível e plenamente aceitável.

Por fim, diante de todo o exposto, é possível concluirmos que, objetivamente, tal iniciativa foi acertada e crucial para o Brasil atravessar aquele momento tão delicado, garantindo, em última instância, que nos tornássemos a grande Nação que somos hoje.

 

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