O conceituado historiador e professor britânico Timothy Gardon Ash escreveu, recentemente, no periódico The Guardian, um texto a cerca dos desafios e características dos dois “novos” líderes internacionais de peso mundial: Barack Obama, nos EUA, e Xi Jinping, na China. Ele bem resume quando afirma que ambos chefes de Estado terão seus próprios embates domésticos, mas que deverão estar juntos nas tratativas de sustentar suas políticas externas sem provocar incômodos para seus parceiros comerciais e estratégicos.

Dentre os maiores problemas dos norte-americanos destacam-se a dívida e o déficit públicos, a questão da saúde pública, a inoperância paralítica do Congresso, a infraestrutura e as escolas em péssimas condições, alem da ainda crescente dependência do petróleo importado que, a princípio, poderá estar solucionada a partir de 2017, conforme prevêem especialistas do setor.

Já para com a China, a meu juízo, é difícil conhecer, profunda e concretamente, a extensão dos seus problemas, haja vista o impedimento oficial da imprensa de tratar livremente sobre eles e, quando são mencionados, os fazem por meio de órgãos do aparelho estatal e partidário, mascarando a realidade com uma linguagem ideológica quase que cifrada para os que não participam do poder daquele país. Entretanto, é fato que dois dos seus maiores desafios giram em torno do desenvolvimento econômico chinês e na solução dos graves impactos ambientais, fora o louvável desejo da nova classe media chinesa que clama por uma também nova política interna, constituída, principalmente, de direitos sócio-humanitários e de liberdade de expressão.

A política externa aplicada pelos democratas americanos, alterando a hierarquia das suas prioridades para com a Ásia, indica o retorno de um poder aéreo e naval superiores na região depois do término dos conflitos no Iraque e no Afeganistão. Essa mudança de eixo, denominada de “pivô”, não é bem vista pelos chineses, e sim como uma estratégia hostil para pressionar, quem sabe, uma China emergente, tanto no campo econômico, bem como no militar, apesar dos desafios domésticos acima mencionados que o novo governo chinês terá pela frente.

Acadêmicos japoneses 1 questionam o significado concreto da expressão pivô no que tange à política americana de segurança na Ásia, em face das novas medidas adotadas por Obama para expandir e aprofundar as relações com os Estados asiáticos vizinhos da China, não só aumentando a presença militar americana, mas também firmando acordos de livre comércio que excluem a China. Furiosa, Pequim interpreta esses atos como resistência à sua liderança naquele continente. Será que os EUA manterão sua postura de aliado do Japão na recente disputa de um pequeno arquipélago 2 perante a China?

O importante ator regional e aliado dos EUA, a Austrália, externa, mais uma vez, que os parceiros asiáticos dos Estados Unidos desejam a sua permanência na região, mas com uma nova forma de conduta: em vez de uma poder de primeira grandeza, atuando, agora, como um poder estabilizador3. Entendo que essa concepção seja antagônica pois não é validada em momentos de crise político-estratégico regional. Os aliados norte-americanos exigem não só a presença do poder militar dos Estados Unidos mas, sobretudo, contam com seu “escudo” protetor perante as constantes “ameaças de agressões” por parte de Estados beligerantes como, por exemplo, a instável Coreia do Norte. É o caso do Japão e de Taiwan que, apesar de manterem uma relação forte econômica e comercial e, ao mesmo tempo, vínculos militares tradicionais com os americanos, não desejam ser forçados a optarem entre Pequim e Washington.

Xi não sinalizou mudança na política interna na crescente modernização das suas forças armadas, especialmente a Marinha e a Força Aérea, pois seu propósito, claramente assegurado pelo atual líder chinês, Hu Jintao, é e continuará a ser o de alterar a ordem regional estabelecida apos a 2a. Guerra Mundial, antes com um domínio único dos EUA, substituindo por outra onde os chineses tenham, no mínimo, tanto poder quando os americanos nas regiões de seu interesse de influência. É sabido que o projeto de poder do Estado chinês, de médio e longo prazos, inclui o domínio das linhas marítimas do entorno Asiático até o ano de 20154 e da parcela ocidental do oceano Pacífico até 2050 5. Neste sentido vale ressaltar o empenho em incorporar um novo e poderoso meio naval de 1a linha, o porta-aviões Liaoning 6, e o novíssimo projeto de substituição de seus submarinos estratégicos nucleares, em fase de concepção.

No Vietnã, que sempre foi cauteloso para com os chineses, Obama também aperfeiçoou as relações econômicas a ponto de criar elos mais fortes do que seus vizinhos chineses 7. Hanói deseja “uma maior presença dos EUA na Ásia, a fim de permitir um melhor equilíbrio de poder na região” 8, e existe a possibilidade do governo vietnamita convencer Washington a permitir que sua marinha use o porto estratégico de Cam Rahn Bay 9, uma solução barata que contribui para a estratégia americana na Ásia, apesar de Pequim não aprovar.

O novo chefe do Estado Maior Conjunto dos EUA, General E. Martin Dempsey, do Exército norte-americano, tem usado sua autoridade para tratar algumas questões bem difíceis e complexas. Um dos temas preferido e frequentemente mencionado trata do “paradoxo da segurança”. Afirma, corretamente (in verbis), que “vivemos em uma era em que a violência se encontra em um patamar menor, haja vista os conflitos entre Estados serem muito menos prováveis do que no passado. O problema é que outras modalidades de violência têm uma probabilidade exponencialmente superior de ocorrer dada a evolução da tecnologia da informação, permitindo que organizações, indivíduos e nações de porte médio, se assim desejarem, adquirem competências que até agora eram próprias dos grandes Estados”.

O sistema de alianças liderado pelos EUA, com base em seus inigualáveis recursos militares convencionais e na capacidade confiável de arsenal nuclear (vetores e armas) em uma segunda ofensiva, provavelmente dissuadiu alguns conflitos entre países até hoje, e assim permanecerá, a meu ver, pelas próximas décadas. A China tem um longo e custoso caminho a percorrer para alcançar seus propósitos estratégicos no mar e o Ocidente conhece sua tenacidade para alcançá-los, ainda mais pela noção temporal distinta da nossa que é, digamos assim, mais “imediatista”.

Joseph Nye Jr relança, com oportunidade, seu conceito de poder inteligente (ou relacional) no qual combina o “poder duro” (Hard Power) da coerção e do castigo com o “poder brando” (Soft Power) da persuasão, do convencimento e da atração 10. Hoje em dia tais conceitos praticados durante a guerra fria, no meu sentir, não são mais aceitáveis quando analisados isoladamente, pois entendo que se um sujeito do Direito Internacional conseguir que outros atores queiram os mesmos resultados que os seus, não será mais necessário anular seus desejos iniciais. Este alcance desobriga o emprego da força na sua modalidade mais radical, desde que haja a combinação adequada para a crise em foco a fim de moldar as preferências dos outros atores, afetando suas expectativas do que é legítimo ou mesmo factível. Em suma, o importante é que seja possível concentrar na capacidade de influenciar esses outros atores para que ajam de maneira contraria às suas preferências e estratégias iniciais.

Apesar do paradoxo de Dempsey e dos desafios ora apresentados, estes não devem alterar o importante papel de prevenção e de dissuasão das forças armadas dos EUA, que permanecem com estrutura, recursos e predisposição para buscarem soluções militares, aplicando, com sabedoria, o poder relacional que lhe sobra ainda com abundância para cada um dos cenários a serem apresentados na Ásia, quer no campo econômico-comercial, quer nas questões político-estratégicas, especialmente nos espaços marítimos asiático e do Oceano Pacífico.

  1. Prof. Fumiaki Kubo, da Universidade de Tóquio.
  2. Mapa 1 – Ilhas Senkaku (Japão) e Diaoyu (China)
  3. Hugh White, da Universidade Nacional da Austrália.
  4. Mapa 2 – Mar da China Meridional com áreas de conflito de interesse (reivindicação de Estados).
  5. Mapa 3 – espaços marítimos compreendendo uma parcela do O. Pacífico (estratégico).
  6. Imagens 1/2 – Ex-Varyag (da antiga URSS). Desenho esquemático do navio e foto.
  7. A China apoiou Hanói em sua guerra de independência, mas ainda persiste uma rivalidade que remonta a séculos com o Vietnã.
  8. Prof. Nguyen Thy Nhan, da ViatFund Management.
  9. Mapas 4 (a/b) – Localização do porto e o Estado do Vietnã na Ásia.
  10. Nye Jr, Joseph S. O futuro do poder. São Paulo: Benvirá, 2012.

Roberto Carvalho Medeiros é Doutor em Ciências Navais – Política e Estratégia Marítimas pela Escola de Guerra Naval (EGN – 2002)

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  1. paulo de tarso resende paniago 04/12/2012

    Caro Roberto, meus parabéns pela sua análise. Gostei muito!! Demonstra alto conhecimento sobre questões estratégicas militares, em especial as relacionadas com a China. Mais uma vez parabéns!!

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